And Just Like That: Por que as mudanças de Miranda incomodam tanta gente?

Créditos da imagem: HBO Max/Divulgação

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And Just Like That: Por que as mudanças de Miranda incomodam tanta gente?

A intensa reação negativa de parte do público às transformações na vida de Miranda revela a rede de problemas quando audiência e obra não amadurecem juntas

07.02.2022, às 18H12.

Cuidado com spoilers de And Just Like That!

Quando And Just Like That estreou, ela já estava destinada à desconfiança. A série se reintitulou, deixou para trás a narração em modo crônico de Carrie (Sarah Jessica Parker) e tomou decisões fortes para demonstrar amadurecimento. Carrie sofreu a morte de Big (Chris Noth), Charlotte (Kristin Davis) precisou lidar com mais quebras de expectativas tradicionais e Miranda (Cynthia Nixon) embarcou numa jornada de autoconhecimento que incluía assumir o fim de seu casamento e a paixão por uma pessoa não-binária. As três enfrentaram a perda momentânea de Samantha no meio de seus processos individuais. Michael Patrick King, o roteirista principal, tomou a decisão certa: amadureceu o universo de Sex and the City.

Todo revival, contudo, nasceu para ser fan service. Quando não é, causa reações fortes. A morte de Big foi o primeiro incômodo, mas nada afetou tanto parte da audiência quanto a descoberta da porção queer de Miranda. Uma olhadinha rápida na hashtag da série no Twitter e o argumento principal da maioria das reações negativas é de que "a personagem jamais faria isso, não foi construída assim". O incômodo, inclusive, não se restringe à paixão ansiosa por Che (Sara Ramirez), mas também esbarra no casamento com Steve (David Eigenberg), que essa mesma parcela do público se recusava a aceitar que chegara ao fim.

No centro dessa discussão, a ideia de que And Just Like That foi "incoerente" com o passado passa por uma lente curiosa. O mesmo público que jogaria a série na fogueira caso as três mulheres aparecessem repetindo o mesmo comportamento que tinham 20 anos atrás, agora se recusa a aceitar uma inevitável evolução. Se considerarmos que a arte é uma reprodução hiper planejada da vida, faz todo sentido que depois de 10, 15 anos, olhemos para trás e pensemos: caramba, jamais imaginei que estaria aqui. Para as personagens (dentro do campo seguro da criação fictícia), esse olhar ainda é possível, permitido, necessário. Elas mudaram sim, mas o mundo de agora, sobretudo, não é mais o mesmo.

Os exemplos são muitos, mas nem mesmo precisamos ir muito longe da própria Cynthia. Em 1988, a atriz casou-se com um professor chamado Danny Mozes. Eles tiveram dois filhos e ficaram juntos por 15 anos. QUINZE. Cynthia, até então, nunca tinha tido nenhuma relação que não tivesse sido com homens. Em 2004, Nixon conheceu a ativista Christine Marrioni. As duas se apaixonaram, se casaram, tiveram um filho e estão juntas até hoje. Cynthia se identifica como queer e deu a seguinte declaração em 2007: Eu nunca senti que eu mudei. Eu tinha estado em relações com homens a minha vida toda e nunca tinha me apaixonado por uma mulher. Mas, quando aconteceu, não pareceu assim tão estranho". O mais curioso é que Sara Ramirez também saiu de um casamento tradicional e agora se identifica como queer.

Se as vidas de Cynthia e Sara passaram por essa transição, por que é tão difícil aceitar que o mesmo pudesse acontecer com Miranda e Che? O casamento entre Hobbes e Steve talvez seja o maior dos entraves. A história dos dois atravessou as temporadas da série e como costuma acontecer com histórias de amor onde uma das partes resiste aos sentimentos, houve muita torcida para que os dois ficassem juntos. Sempre foi complicado e ao mesmo tempo complementar. Steve precisava da praticidade de Miranda e ela, do sentimentalismo dele. Vê-los juntos foi muito especial, mas é preciso lembrar que a intenção de Michael Patrick King nunca foi criar relações perfeitas.

A personalidade de Miranda era importantíssima para o quarteto. A advogada era a dose necessária de cinismo, que questionava e recusava o romantismo clássico atribuído às mulheres. Mas, Miranda nunca foi só isso. As reclamações de que ela estava "agindo como uma adolescente", não são, de forma alguma, coerentes com o que conhecemos dela. Uma boa memória vai lembrar que a personagem agiu de modo imaturo e deslumbrado diversas vezes no curso da temporada. Nos primeiros anos ela atraía o pobre apaixonado Skipper toda vez que queria se sentir melhor consigo mesma. Mais para o final da série, ela se aproximou do técnico de basquete Robert depois de passar um tempo fantasiando com um personagem de uma série de TV. Miranda correu do ex quando o viu na rua, se deslumbrou com um policial interessado nela e embora fosse totalmente contra a cultura dos relacionamentos, casou, teve um filho e até perdoou uma traição.

Nem ela, nem Carrie, nem Charlotte e nem Samantha foram chapadas numa só função narrativa. Será que o público esqueceu que Charlotte era uma conservadora que volta e meia vestia uma Samantha? Ou que Samantha era uma partidária do sexo casual que se apaixonou nada mais nada menos que DUAS vezes, se dedicando, inclusive, a ser monogâmica? Samantha cobrar fidelidade de Richard, lá quando a série estava no ar, descaracterizava a personagem? Por que, então, tem que ser inadmissível que Miranda se deixe levar por uma paixão arrebatadora depois dos 50? De todas as coisas que aconteceram em And Just Like That, essa talvez seja a mais natural.

O divórcio entre ela e Steve, aliás, era igualmente previsível. Nas tags que circulam pela rede pedindo "Justiça Para Steve" há uma surpreendente ignorância de fatores. Foi Steve quem mentiu e traiu Miranda primeiro, lá no filme. Mas, homens traidores arrependidos são um filão do mercado narrativo e sempre funcionam. O adultério lá no primeiro Sex And The City das telonas foi embasado na culpabilidade de Miranda, que "trabalhava demais". A maioria do público imediatamente transforma a mulher na megera e o homem no "santo homem que foi injustiçado". Com Aidan (John Corbett) e Carrie foi exatamente a mesma coisa. Carrie errou ao trair um homem apaixonado por ela tão intensamente, mas ela nunca foi perdoada pela audiência como Steve foi, por exemplo.

No belíssimo episódio final de And Just Like That, o roteiro faz um dos movimentos mais inteligentes que vimos nos novos episódios: no último ano de Sex And The City, Carrie mudaria para Paris e Miranda e ela tem uma grande briga porque Hobbes não consegue entender um movimento tão grande como esse por conta de uma paixão. Agora, o roteiro inverteu os papeis e é Miranda quem está diante dessa oportunidade. É evidente que Steve também estava infeliz, mas Steve sempre foi descrito como um introvertido. Ele seria capaz de nunca se separar mesmo que isso significasse nunca mais transar. E isso está errado. Nunca é tarde para recomeçar, nunca é tarde para querer sentir a ansiedade do primeiro encontro novamente e ninguém deve buscar a imutabilidade. Mudar é preciso, é saudável.

É assustador que ainda que estejamos falando do campo da ficção, tanta gente se manifeste pela infelicidade eterna de um casamento só para que sua utopia não seja arruinada. Se um lado estava bem na própria vida sem cores, o problema não é de quem quer voltar a viver. A parte que volta a se apaixonar merece aquele brilho nos olhos, ainda que não saiba nada sobre o futuro da relação. Justiça para Steve? Justiça para Miranda! E deixa que ali adiante Steve agradece pela coragem dela de fazer o que era preciso. And Just Like That amadureceu seu universo. Vamos acompanhar?

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