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Aquarius | Kleber Mendonça Filho mostra trecho do filme e comenta cenário político nacional

Com prêmio de melhor filme na Austrália e na Polônia, longa indicado à Palma de Ouro vai abrir Gramado

10.08.2016, às 15H15.
Atualizada em 10.08.2016, ÀS 15H30

Laureado com o prêmio de melhor filme nos festivais de Sydney, na Austrália, e de Lodz, na Polônia, Aquarius, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, encarado como o longa-metragem nacional mais esperado do ano desde sua indicação para concorrer à Palma de Ouro, em Cannes, em maio, chega ao circuito no dia 1º de setembro. Antes, em 26 de agosto, ele abre o Festival de Gramado, em projeção hors-concours, na qual sua protagonista, a paranaense Sônia Braga, receberá o troféu Oscarito pelo conjunto de sua carreira. Estima-se ainda que ele poderá ser a produção escolhida para representar o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro, cujo anúncio será feito por uma delegação da Secretaria do Audiovisual no dia 12 de setembro – corre nos bastidores do cinema brasileiro uma polêmica sobre uma possível esnobada ao longa de Kleber, por conta da rejeição, por razões políticas, de alguns integrantes da comissão ao filme, mas, até agora, ele é mais credenciado ao posto. Seu lançamento está calçado em elogios rasgados da crítica internacional.    

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Aquarius toma seu título emprestado de um edifício homônimo do Recife, onde vive Clara (Braga), uma jornalista e crítica de música aposentada que trava uma guerra contra a especulação imobiliária para preservar seu prédio e suas memórias. Num clipe exclusivo para o Omelete, Clara enfrenta Diego (Humberto Carrão), um emissário da construtora que ameaça a integridade física de seu lar. 

Na entrevista a seguir, Mendonça, realizador do cultuado O Som ao Redor (2012), comenta suas escolhas estéticas e faz um balanço da democracia brasileira. Ele lutou em prol dela em Cannes ao subir o tapete vermelho do maior festival de cinema do mundo com cartazes denunciado “Golpe de Estado” frente ao processo de impeachment que levou Michel Temer ao cargo de presidente interino.

Omelete: Como você enquadraria Aquarius na classificação de gênero, uma vez que, de Cannes pra cá, há quem o defina de thriller?
Kleber Mendonça Filho: Aquarius ainda está muito no início de carreira e eu ainda estou aprendendo sobre ele com as reações das pessoas. Mas é natural do meu estilo que elementos de gênero façam parte dele, mas de uma maneira orgânica. Meus filmes preferidos, pelos quais eu tenho atração grande, como cinéfilo, são filmes que não são muito claros em relação ao gênero. Os gêneros funcionam de duas formas. Uma delas é como instrumento de mercado: ele é a forma de identificar um filme da maneira mais certeira possível para que ele seja vendido. E isso para mim gera uma antipatia prévia. A segunda utilidade do gênero é para fins de estudo, para a Academia, para a Crítica. E aí ele se torna um pouco mais delicado do que é para o mercado, para a indústria. É sempre muito bom você poder se surpreender com um filme, sobretudo sem saber para onde ele está indo. Quando você foge de uma ideia pré-estabelecida de gênero fica a sensação de notar que um filme que parecia ser de um jeito revelou ser outra coisa. Há filmes que têm um cinto de segurança para te proteger do que haja de drástico. Mas há filmes que te dão insegurança. E isso é uma coisa muito boa... para mim.

Omelete: O que te leva de volta a Gramado, quatro anos após a vitória de O Som ao Redor por lá? Que mítica aquele festival gaúcho tem?
KMF: Gramado é um festival que tem um lugar muito especial na história do cinema brasileiro. Tem uma força histórica. E foi um lugar onde eu estreei todos os meus longas, embora eu não tenha exibido meus curtas lá. Crítico passou lá em 2008, a convite do então curador José Carlos Avellar, que foi alguém muito importante para o cinema brasileiro. O Som ao Redor teve lá sua primeira projeção pública no Brasil, numa recepção linda. E agora Aquarius... Gramado está muito bem posicionado junto à nossa estreia. E com toda a imprensa que prestigia o festival, Gramado aparece como uma boa ideia para lançar Aquarius. Estou muito feliz de estar lá.

Omelete: Como é que o exercício de contextualizar a memória como um espaço ameaçado de desaparição - na luta de Clara para preservar seu prédio - mudou a sua própria relação com o passado do cinema e com o passado de Recife?
KMFAquarius e O Som ao Redor são frutos de uma preocupação minha com a questão da memória. Normalmente, as pessoas falam de documento como papel, tipo uma certidão de nascimento. Mas “documento” pra mim é um registro físico. Logo, pessoas também podem ser documentos. Lugares, arquitetura... isso pode ser um documento, com revelações muito fortes, históricas e humanas, sobre uma realidadeAquarius é um filme sobre os muitos arquivos que todos nós temos, seja uma criança de oito anos ou seja uma pessoa de 65 anos. Ele e O Som... começam com fotografias de arquivo e os dois são sobre o peso, a beleza e o terror do passado e como ele molda o presente o futuro. São filmes sobre coisas guardadas. Cada uma dessas coisas guardadas é uma fonte de informações históricas e humanas.  

Omelete: Como você avalia a situação política deste Brasil que encarou uma troca presidencial e ecos de golpe de estado durante os dias em que você estava em Cannes, representando nosso cinema?KMF:A situação hoje no Brasil está muito confusa, porque há uma troca muito difícil de informação entre todas as partes envolvidas no processo político, o que cria um clima desagradável e pesado, pois estamos lidando com histórias contadas de maneiras diferentes. E quando se é brasileiro e se ama este país, você precisa, antes de tudo, munir-se de informações, para entender o que está sendo feito. O meu ponto de vista é de que há uma narrativa muito falha na forma sobre como os fatos acerca do que está acontecendo no Poder são apresentados para a população. Nós tivemos um período de democracia que estava indo bem. E isso, não obstante o fato de que nossa democracia, como muitas ao redor do mundo, não é perfeita. Não era perfeita, mas era o que a gente tinha... e isso após o período militar. No fim dos anos 1980, fomos construindo uma nova democracia, com a eleição de Collor – que foi um grande erro, mas, tudo bem, pois faz parte do processo -, depois com Itamar Franco, com FHC, com Lula, com Dilma. Era um exercício democrático: o povo vota, o povo escolhe. Mas, aí, durante um governo que não estava sendo muito feliz, o de Dilma, criminosamente sabotado pela oposição, que não ganhava a eleição há 12 anos, o Poder foi tomado. A oposição partiu para tomar o Poder de maneira muito cínica. É o meu ponto de vista. E acho lamentável que a oposição não tenha conseguido pensar de maneira democrática e civilizada para com o país. E, com a ajuda de histórias contadas uma maneira não muito correta, eles partiram para tomar o país e quebraram o processo democrático. A Democracia ainda é a melhor maneira de se viver em sociedade. Mas hoje a gente tem isso quebrado, a partir de um golpe e de um governo ilegítimo. É claro que ele se legitima a partir do momento que - como muita gente diz por aí – isso faz parte das leis. Mas o apartheid na África do Sul também fazia parte das leis. Mas aquilo não era bom. É importante que a gente não perca o senso crítico e possa ainda entender que o Brasil pode ser melhor do que este que está aí.    

Omelete: Do que se trata um de seu próximo projeto, Bacurau, originalmente definido como a experiência de uma equipe de filmagem numa comunidade?
KMFComeçaram as pesquisas de locação desse projeto, escrito e dirigido por mim e por Juliano Dornelles. O Juliano está de Toyota no interiorzão com o super Tiago Melo, que já fez trabalho incrível em Boi Neon e em Aquarius como diretor de produção. Esse filme vai ser good. No teaser-sinopse dele diz: Bacurau é uma linda história de violências. 

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