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13 Reasons Why | Como o segundo ano aborda de forma irresponsável um novo assunto delicado

Dessa vez, a história de Hannah Baker não tem nada a ver com isso

25.05.2018, às 17H00.
Atualizada em 02.06.2018, ÀS 13H39

Quando 13 Reasons Why estreou na Netflix, não demorou para que a internet fosse tomada por um debate fervoroso sobre a série ter ou não agido de forma responsável tanto na exibição em detalhes de uma cena de suicídio quanto na própria condução da trama. A série, adaptada do livro de de Jay Asher, acompanha o desdobramento da morte de Hannah Baker (Katherine Langford) e os efeitos causados por uma série de fitas gravadas antes da jovem tirar a própria vida na comunidade escolar da qual ela fazia parte. A segunda temporada se despede de Hannah, encerrando seus assuntos não resolvidos, mas, no processo, introduz um novo debate sobre a necessidade de cuidados redobrados na hora de abordar assuntos delicados.

[Cuidado com possíveis spoilers!]

Enquanto no primeiro ano a polêmica girou em torno da exibição em detalhes do suicídio de Hannah e do estupro dela e de Jessica, a segunda também trouxe momentos de embrulhar o estômago cuja retratação de forma crua podem ser fonte de questionamentos. O foco, dessa vez, fica na violência sofrida por Tyler (Devin Druid): em uma sequência brutal como poucas, Montgomery (Timothy Granaderos) estraçalha um espelho com a cabeça do jovem, bate com ela na lateral de uma pia, afoga o rapaz dentro de um vaso sanitário e, em seguida, introduz o cabo de um esfregão no seu ânus. A cena de apenas um minuto e meio é um soco no estômago, mas, verdade seja dita, não inaugura um nível de violência inédita na televisão - a cabeça de Glenn (Steven Yeun) sendo explodida em The Walking Dead ou o estupro de Sansa (Sophie Turner) em Game of Thrones, por exemplo, são tão nauseantes quanto.

O que torna o abuso sofrido por Tyler mais brutal é a proximidade com o expectador e ser um tipo de violência pouco discutida. A vida de Tyler não é ambientada em um apocalipse zumbi ou em uma realidade fantasiosa com dragões e monstros de gelo. Ele vive em uma escola normal, de um bairro normal, convivendo com adolescentes normais: o personagem podia ser o filho de quem está assistindo ou até mesmo o próprio espectador. É a sensação de possibilidade e o fato de que as pessoas estão pouco acostumadas a encarar a agressão de cunho sexual sofrida por homens que torna tudo mais doloroso de assistir, não a violência em si - que, de fato, é exposta com detalhes acima da média para justamente chocar o público. Isso não quer dizer, é claro, que a série não falhe em pontos importantes e estritamente ligados aos reflexos do que Tyler vivencia.

A irresponsabilidade da segunda temporada não está exatamente na exibição de violência em sua forma explícita, mas no que vem em seguida. Apesar de plantar um tiroteio durante todo o segundo ano e parte do primeiro, 13 Reasons Why escolhe usar esse fio narrativo para dar a Clay (Dylan Minnette) um momento de redenção. O jovem passa a série inteira sofrendo pela sensação de fracasso por não ter conseguido salvar a vida de Hannah e, após toda essa jornada, triunfa ao impedir sozinho a morte de Tyler e de vários outros estudantes. Após ser violentado por Montgomery, todo o progresso de Tyler no tratamento para controle da raiva vai pelo ralo e ele decide que é hora de punir seus algozes abrindo fogo contra os estudantes da Liberty High School - e é Clay que impede que isso aconteça.

Na série, Tyler avisa Mackenzie (Chelsea Alden) sobre seus planos e logo a informação chega para os personagens principais. É nesse momento que começa uma série de decisões discutíveis tomadas por 13 Reasons Why. De acordo com qualquer órgão oficial, confrontar o atirador é a opção final em um caso do tipo - as primeiras envolvem entrar em contato com serviços de emergência, fugir do local, mobilizar as pessoas, desbloquear saídas. A série mostra justamente o contrário disso. Não chamar a polícia ou entrar em contato com alguma autoridade? Encarar sozinho um atirador psicologicamente instável? Não é muito difícil questionar se essas são as melhores mensagens que uma série pode passar para o público jovem.

Indicar que um adolescente deva interferir sozinho em um potencial massacre é não só uma sugestão leviana como romantiza o que aconteceu em 23 escolas e universidades norte-americanas, dentro ou nos arredores, só nos primeiros cinco meses de 2018. A efetividade da sequência de acontecimentos que mostra o protagonista sendo avisado de um potencial tiroteio, falando explicitamente para não chamar a polícia e segurando a arma do atirador tentando convencê-lo a desistir passa uma mensagem que pode ser fatal para estudantes que venham a vivenciar situações semelhantes de risco. É um recurso narrativo que, criativamente, coloca um ponto final na jornada de autocomiseração de Clay, mas, para isso, os roteiristas abrem mão de uma parcela significativa de responsabilidade com parte do seu público.

É difícil especular ainda o que acontecerá em um possível terceiro ano da série, já que a segunda temporada termina com o som da polícia se aproximando enquanto Tony (Christian Navarro) leva Tyler em fuga após Clay, contrariando as estatísticas, convencê-lo a não iniciar um massacre. A Netflix ainda não confirmou uma nova remessa de episódios e, em função da cena da violência sofrida por Tyler, a Parents Television Council (PTC) divulgou uma carta aberta pedindo o cancelamento da atração - pouca coisa foi falada, contudo, sobre a reação de Clay ao potencial tiroteio. Tim Winter, presidente da PTC, disse que “a Netflix entregou uma bomba-relógio para adolescentes e crianças que assistem 13 Reasons Why. O conteúdo e os elementos temáticos da segunda temporada são ainda piores do que esperávamos”.

Ao que tudo indica, o serviço de streaming segue defendendo a bandeira de levantar debates que são perigosamente ignorados - primeiro sobre suicídio, agora sobre violência sexual sofrida por homens. Um porta-voz da Netflix disse ao Express.co.uk que "a agressão sexual é muito subnotificada; esse número é ainda maior entre homens violentados por outros homens. Eventos como a experiência de Tyler ocorrem, mas muitas vezes não são discutidos". De fato, a exposição como forma de debate é um caminho que pode ser considerado válido por muita gente. A questão é que, para uma provável terceira temporada, produtores e roteiristas precisam estar mais atentos em relação aos caminhos narrativos escolhidos - tratar de assuntos delicados como a série se propõe exige um pouco mais de responsabilidade do que foi visto recentemente.

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