Foto promocional do segundo ano de Atlanta

Créditos da imagem: Atlanta/FX/Divulgação

Séries e TV

Crítica

Atlanta - 2ª Temporada

Segundo ano abraça o medo de decepcionar para criar episódios excepcionais sobre fracasso

25.09.2018, às 09H40.
Atualizada em 08.03.2019, ÀS 16H49

Com carreira musical de sucesso e participações icônicas como sua passagem por Community, Donald Glover já deixou claro que tem potencial de sobra. Mesmo assim, o produtor surpreendeu quando, em 2016, estreou Atlanta nas telas do FX. Vendida como uma comédia sobre três caras tentando crescer na cena de rap da cidade dos EUA, o seriado usou e abusou da ironia para explorar a luta contra a pobreza e o preconceito. Foi um sucesso. Com esse renome inesperado surgiu um novo desafio: como continuar algo tão único e conciso de forma original?

Para Glover, a resposta foi abraçar o medo de decepcionar - e usá-lo como matéria-prima para novas histórias. Batizada de Robbin' Season, a segunda temporada retoma a ascensão do rapper Paper Boi (Bryan Tyree Henry) e seu empresário/primo Earn (Glover). Agora, os dois já estão mais consolidados na cena musical, sendo reconhecidos, com shows marcados e dinheiro entrando. Isso, é claro, apenas traz uma nova leva de problemas.

Após mostrar a dificuldade de ser notado quando tudo parece estar contra você, a trama agora explora a enorme complicação em manter-se de pé quando todo o resto tenta lhe derrubar. Ainda que não sejam ligados diretamente, os episódios compartilham o tema de fracasso: cada capítulo mostra situações onde as coisas simplesmente dão errado, seja uma discussão de relacionamento que ganha peso dramático, uma noitada que traz mais problemas do que diversão, ou simplesmente uma ida ao cabeleireiro que estraga todo o seu dia.

Ter essa premissa bem resolvida ajuda com que Donald e seu irmão Stephen Glover experimentem o máximo o possível, já que cada capítulo pode ter sua própria personalidade. O texto afiado da dupla é o que consagra Atlanta: as desventuras dos personagens atingem um equilíbrio perfeito entre o drama e ironia.

"Helen", por exemplo, brinca com o desconforto que Earn sente em meio a uma comemoração que não faz parte de sua cultura. Enquanto a aleatoriedade da celebração diverte, o clima fica pesado quando a série destaca a perspectiva de Vanessa (Zazie Beetz), que se sente ridicularizada por um parceiro amoroso que não dá tanta importância à suas necessidades emocionais como ela faz. A alternância entre tonalidades é feita com uma suavidade que faz com que Atlanta frequentemente alcance um poderoso realismo em meio ao surreal.

Não é só de roteiro que se faz uma série, e felizmente o visual é tão experimental e bem trabalhado quanto o texto. É impossível comentar a segunda temporada sem citar o trabalho de Hiro Murai, o diretor responsável pelo estilo vibrante do programa - ele comandou 14 dos 21 episódios feitos até o momento. Revelação por ter encabeçado "This is America", videoclipe de Childish Gambino, fica claro que Murai está se descobrindo no seriado do FX : o diretor vai desde o sinistro "Alligator Man", onde realça a peculiar figura de Willy (Katt Williams) em meio à crescente criminalidade de Atlanta; até os sufocantes "Woods" e "Crabs in a Barrel".

É evidente que Murai encontrou habilidade em investigar o macabro, e isso é comprovado com "Teddy Perkins". Destaque da temporada, o episódio se apropria da estética do terror contemporâneo, com influências clássicas como O Iluminado (1980), para explorar uma infância perdida, a relação entre sucesso e sofrimento e a forma como o público consome a arte sem prezar pelo artista. O capítulo é o melhor exemplo de quando um roteiro de peso é combinado com visual minucioso e atuações competentes - tanto Lakeith Stanfield como excêntrico Darius quanto, é claro, Donald Glover como o infame Teddy Perkins.

Mesmo com duas temporadas, Atlanta continua sendo uma série complicada de descrever, mas incrivelmente prazerosa de se assistir e estudar. Os irmãos Glover estabeleceram o programa como um playground onde podem brincar tanto com temáticas inusitadas quanto com as emoções do público. É impossível prever o rumo da narrativa ou da abordagem, mas é justamente essa imprevisibilidade que torna o seriado tão atraente e inovador. Com um terceiro ano já garantido, a única expectativa é a de que a produção tenha liberdade o bastante para surpreender novamente.

Nota do Crítico
Excelente!
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