"Ele está na minha casa, está nos nossos domingos, desde que eu me conheço por gente. Então, foi um susto e, ao mesmo tempo, um presente, poder fazer o Silvio Santos — uma figura por quem eu tinha tanta admiração e tantas críticas". Quem diz isso ao Omelete é o ator José Rubens Chachá, de 68 anos. Veterano dos palcos e das telas brasileiras, é dele a responsabilidade de receber e apresentar o público de O Rei da TV a um mergulho artístico na vida do célebre apresentador e empresário, dono do SBT e de uma fortuna de mais de R$ 7 bilhões.
A série biográfica não autorizada, produzida pela Gullane Entretenimento e disponível no catálogo do Star+ desde 19 de outubro, parte do episódio histórico da perda da voz de Silvio, nos anos 1980, para recontar como o jovem judeu paulistano Senor Abravanel construiu, encarnou e sustentou por mais de 60 anos o mais célebre personagem da TV brasileira — que aparece consolidado, justamente, na atuação de Chachá. De quebra, o texto assinado por Mikael de Albuquerque com colaboração de André Barcinski, Ricardo Grynszpan, Henrique Melhado e Marcela Macedo, ainda constrói um panorama histórico da cultura popular nacional, incluindo episódios com figuras como Gugu Liberato (Paulo Nigro) e Manoel de Nóbrega (Cacá Carvalho). "Eu acho bacana que os autores escolheram esse momento trágico da vida dele, da perda da voz, porque é esse momento em que se humaniza o personagem que é tão mitológico na história da televisão", afirma.
A missão de encarnar Silvio e desvendar Senor não é exclusiva do veterano. Fazendo as vezes do ícone televisivo em sua infância e juventude, trabalham com igual esmero os atores Guilherme Reis, de pouco mais de 20 anos, e Mariano Mattos Martins, de 38 anos. O primeiro, recria o ingresso de Senor no mundo da venda ambulante em São Paulo, aos 14 anos. É quando, ainda sem nome de palco, a persona cativante e comunicativa que será conhecida como Silvio Santos começa a ser formada — com o garoto lançando mão até de atos moralmente questionáveis para conquistar essa ascensão. "É um lugar hostil, de muita competição, onde a esperteza dele o faz subir na vida", destaca Reis. "Então, às vezes ele precisa passar a perna em alguém, mas existe toda uma justificativa dentro daquele contexto, para ele fazer essa escolha".
Já o segundo, Martins, assume o microfone, a brilhantina nos cabelos e a voz sedutora no período entre os 28 e 45 anos de Silvio, indo do sucesso no rádio ao ingresso e à consolidação como figura célebre da televisão. O estudo moral da persona de Silvio, bem como seu impacto em Senor, se aprofunda nesse período; há pedaladas comerciais, racismo, machismo e outras polêmicas. Tudo, entretanto, selecionado para reforçar a temática da dualidade e expandir o processo de humanização que a série promove em relação ao mito televisivo do apresentador. "Silvio Santos é uma caricatura da qual ele se vale para enlaçar o público, ou para convencer as pessoas de uma ideia que ele tem, para fazer uma negociação", define o ator. "Como todos os seres humanos, ele tem diversas contradições, e [retratar isso na série] não é sobre concordar ou não, vai muito além disso".
Busca da voz, fuga da imitação
Não é à toa que a chave encontrada para abrir a intimidade de Silvio Santos seja, em O Rei da TV, sua voz. Reconhecida e imitada em todo o Brasil, além de cheia de maneirismos memoráveis, a fala do apresentador é icônica. Para três atores vivendo o personagem em momentos muito distintos, capturar essa essência deu origem a três processos ainda mais diferentes entre si — mas igualmente fascinantes. "Eu fiquei muito confuso no início ao perceber que o Silvio que eu ia interpretar era ele com 14 anos, e eu com 19 e sem nenhum registro de imagem, vídeo ou áudio dele", relembra Reis. "Então, foi difícil encontrar uma voz que se encaixasse para essa época e que fizesse sentido, na medida de encantar as pessoas com quem ele se relaciona, como camelô".
Guilherme Reis como o jovem Silvio Santos em O Rei da TV
"Em todo momento, desde o início, eu entendi que se eu tentasse imitar, tentasse igualar, eu ia perder essa batalha. Porque é uma batalha construir um personagem com essa grandeza", aponta Martins. "Então, o tempo inteiro, a pesquisa e o trabalho de preparação vocal, com fonoaudióloga e também assistindo a todos os vídeos possíveis e imagináveis do Silvio, foi exatamente de encontrar dentro de mim como aquela voz iria se expressar". Segundo o ator, seu principal alvo era construir, a partir da fala do personagem, uma "escalada de uma trajetória em que ele mesmo vai descobrir essa voz", destacando a transição "daquele Silvio que vem da rua, passa pelo rádio, chega à televisão".
Ele mesmo dono de uma voz memorável da TV brasileira, seja em novelas ou peças publicitárias, Chachá foi quem pôde incorporar um número maior de trejeitos e bordões do Silvio Santos das últimas três décadas. Segundo ele, entretanto, isso não foi desafio. "O mais difícil foi encontrar a voz do Senor Abravanel", define o ator. "A gente teve acesso a momentos dele fora de cena, e a gente nota que ele não tem a mesma impostação na voz, não tem a mesma grandiosidade na voz, então isso foi mais desafiador; fazê-lo com resquícios da voz conhecida pelo grande público, mas ao mesmo tempo ser uma voz mais humana".
Por falar em bordões, o trio ainda elege seus favoritos. Para Chachá, o clássico "vamos abrir as Portas da Esperança", que Silvio entoava para convidados em um de seus jogos no Programa Silvio Santos, é insuperável. Já Martins ficou com o mais obscuro "ai, ai, ai, ui, ui", comentando: "Ele tinha esse lugar de cantor, e tem muitos bordões que se perderam ao longo do tempo, e tem esse, que era fantástico". E, mais jovem, Reis joga seguro e opta por uma unanimidade. "Eu acho que vou de 'Ma Oe', que é como as pessoas hoje me cumprimentam quando sabem que eu fiz o Silvio", diz.
Com admiração, mas sem chapa branca
O trio também celebra o equilíbrio narrativo da série em apontar dedos para falhas de Senor, como Silvio ou em sua intimidade familiar, sem deixar de reverenciar o trabalho icônico dele no entretenimento brasileiro. "Eu joguei fora qualquer tipo de crítica que eu tinha a ele, porque se não eu não ia conseguir abraçar o personagem", detalha Chachá. "Ele é uma dicotomia ambulante; um cara cheio de contradições. Que, ao mesmo tempo que tem aquela simpatia, também é um chefe de conglomerado que age de uma maneira fria, às vezes até sórdida, mas tudo isso eu tive de compreender e fazer de uma forma que eu não me afastasse do entendimento que as pessoas poderiam ter".
Mariano Mattos Martins em O Rei da TV
Sobre Silvio, Mariano observa: "Ele está sempre sorrindo para as câmeras, logo humanizar, trazer para o chão essa figura, foi o grande desafio da série. A gente nunca imagina o Silvio Santos em silêncio. E de repente na série você vai encontrar momentos de solidão", diz o ator. A respeito dos deslizes éticos do personagem, ressaltados na série, Reis detalha seu processo de compreensão para encarná-los com veracidade: "[Na realidade em que ele vivia], ele precisava fazer aquilo acontecer, então precisava fazer o que precisava fazer".
Produzida pelo Star+, a primeira temporada de O Rei da TV conta com oito episódios, cobrindo a vida de Silvio Santos da década de 1940 ao início dos anos 1990. A série tem direção-geral de Marcus Baldini (Bruna Surfistinha), trabalhando ao lado de Carol Minêm (Macho Macho Man) e Julia Jordão (O Negócio), e traz em seu elenco outros nomes conhecidos, como Leona Cavalli, Leandro Ramos, Larissa Nunes, Gui Santana, André Abujamra e Ary França.