Séries e TV

Crítica

Siren - 1ª temporada | Crítica

Longe do universo lúdico perpetuado pela Disney, nova série do Freeform sobre sereias se torna um dos maiores sucessos da TV americana

18.06.2018, às 12H07.
Atualizada em 27.06.2018, ÀS 22H30

A história da Pequena Sereia, contada pela Disney, é uma das que povoam o imaginário infantil até hoje. As sereias são criaturas fascinantes e não são muito exploradas pela teledramaturgia mundial. Quando o foram, sempre ficaram no campo da comédia romântica, indo desde o clássico SplashUma Sereia em Minha Vida até os contemporâneos apelos comerciais de séries como H2O Meninas Sereias - outra que bebe das mesmas fontes cheias de ternura que foram perpetuadas por Ariel. Sereias, para a cultura pop em geral, são seres tão lúdicos e mágicos quanto os unicórnios. A mitologia original, contudo, não é tão bonitinha assim.

Jack Rowand/Freeform

Há registros sobre sereias em diversas civilizações, mas foram os gregos que costumaram ser acessados como grande exemplo de referência sobre o assunto. O curioso é que em nenhuma das versões mitológicas há qualquer  vestígio de vertente romântica na descrição das criaturas. Da Grécia até o Brasil, as sereias são sempre vampiras aquáticas, que seduzem para matar, devorar, torturar, num junção luxuriosa de sexualidade e maldição, como era bem típico do patriarcado que se refestelava da própria superioridade, colocando a imagem feminina numa correlação direta com o demoníaco. Ao adaptar a terrível história da Pequena Sereia para as telas, a Disney pegou o conto de Hans Christian Andersen e aniquilou seu caráter sombrio, deliberadamente.

A decisão de levar as criaturas para a TV partiu da dupla Eric Wald Dean White (um dos produtores de The 100), que conseguiram espaço no Freeform - o novo nome do ABC Family - um braço da rede ABC que surpreendeu por aceitar na grade um produto um pouco distante de seus habituais dramas familiares. Siren (uma palavra para “sereia” que representa mais o seu caráter maldito), ainda resguarda parte do espírito simplista do tipo de produção do canal, mas tem uma linguagem que não condiz com essa romantização da mitologia, o que é seu grande ganho. As sereias da produção são como uma síntese das lendas originais e do conto de Hans, uma mistura de morte e amor, que faz a temporada valer a pena.

Siren’s Song 

A trama acompanha a chegada da sereia Ryn (Eline Powell) até a cidade litorânea de Bristol Cove, que tem uma história toda apoiada na ideia de que as criaturas metade mulher e metade peixe estiveram por ali desde os tempos remotos. Ryn chega em busca da irmã, que fora capturada pelos militares logo na sequência de abertura do show. Na cidade, Ryn acaba indo parar nas mãos dos biólogos Ben (Alex Roe) e Maddie (Fola Evans). O roteiro não perde tempo com segredos entre os dois e acerta aos fazer com que ambos passem a ajudar a sereia na sua  busca pela irmã capturada. Circundando isso, temos os mistérios que envolvem a história da cidade, em que as relações entre sereias e humanos ditaram muito do que estamos vendo no presente (inclusive por um curioso viés científico).

A primeira temporada teve 10 episódios, mas a sensação ao assistí-la é de que estamos vendo duas em uma. Durante os 5 primeiros o foco é a busca de Ryn pela irmã capturada. Nos 5 restantes, a dramaturgia se abre mais e tudo vira uma questão de sobrevivência da espécie. Siren tem poucos elementos à primeira vista, o que para uma série da ABC pode ser perigoso, considerando o que o sucesso pode fazer com o show em termos de longevidade. Como em toda produção que se apoia em universos fantásticos, a rotina dos personagens de Siren se torna limítrofe e 24 horas por dia tudo passa a ser uma dinâmica de investigação versus proteção.

Ao contrário do que possa parecer (visto que interpretar criaturas que não conhecem a cultura onde são inseridas sempre pode ser uma cilada), o trunfo da série é a sua protagonista. Eline Powell criou uma sereia extremamente crível, com oscilações calculadas entre agressividade, sensualidade e curiosidade. Seu rosto rústico ajuda muito na composição, ao ponto de tornar os outros atores que vivem as criaturas, deslocados da unidade que ela estabelece. Não é difícil se envolver com Ryn muito rápido e começar a torcer pela permanência dela ao lado dos humanos que a encontraram. Ainda que estruturalmente os episódios não ofereceram nada de novo, os roteiros são enxutos e acertem em alguns detalhes, como o fato da sereia seduzir não só o “mocinho” da trama, como também sua namorada.

As fragilidades de Siren estão justamente no acesso ao passado que ela constitui. A criação do universo do show estabelece o lado sombrio dos seres, reforça a dor pela qual passam na transformação, mas não se priva de flertar com a Disney, ao costurar um romance inevitável. Esse romance tem bases na história da cidade e as conexões ente passado e presente é que vão removendo certa seriedade da narrativa. Quando chega a seu último capítulo, a dramaturgia abandona a discussão geral e se prende ao específico afetivo, fazendo com que a série já não seja mais tão interessante.

Os falsos documentários que circulam pela internet e os anos de inexploração do tema, tornam Siren um prato cheio para um diálogo mitológico. Ser apenas uma história de amor não é exatamente o que esperamos, já que isso é o que a indústria vem nos dando há muito tempo. Contudo, seu hiato pode começar a ponderar sobre esses fatores e ao retornar para o segundo ano, a série pode ser mais Siren e menos Mermaid.

Nota do Crítico
Bom

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