Os primeiros episódios de A Maldição da Residência Hill, nova série de terror da Netflix, escondem o que há de melhor nesta nova empreitada do serviço de streaming. Os sustos forçados e os monstros espalhados pelos quadros subjetivos não fazem jus ao drama denso e impactante que a história dos Crane tem a dizer. Os dez episódios do seriado esmiúçam a relação de uma família atormentada por uma assombração, mas usa todos os espíritos como ferramentas para explicar a complexidade de uma relação familiar - bem como uma boa história de terror deve ser.
A atmosfera criada por Mike Flanagan, diretor do projeto, faz com que não só o público entenda a tensão que permeia as relações entre os personagens, mas também que haja um impacto real em cada aparição sobrenatural. Os sustos se espalham por todos os episódios sem necessariamente ter intuito de causar medo, mas sim de compor a história daqueles que constroem a Maldição presente na Residência Hill. E é aí que está o maior mérito da série: construir ao redor da família e da casa um clima que vai além do medo tradicional de séries do gênero; pois a história se torna única quando usa fantasmas como alegoria e não instrumentos de terror gratuito.
A estrutura narrativa da série se baseia em idas e vindas no tempo dos personagens. Liderada por um pai engenheiro e uma mãe arquiteta, o grupo conta com cinco filhos ainda crianças e encantados com a mansão recém adquirida. Com o passar do tempo, a mãe se envolve com os fantasmas do local e começa a alucinar. Enquanto isso, você acompanha seus futuros, com todos já adultos e sofrendo as consequências de uma noite trágica dentro da mansão. Essa alternância de linha temporal causa uma ansiedade natural para descobrir os desdobramentos do passado, mas o roteiro não se calca nisso - o foco da história são as consequências da Maldição no futuro.
Isso é outro baita acerto do seriado, que também não usa a muleta dos ganchos de fim de episódio tão comuns em séries de mistérios. Aqui, quase sempre a história tem um arco dentro do próprio capítulo e encerra uma questão sem necessitar dá continuidade. Óbvio que o interesse pelo desfecho permanece, mas não há aquele fim batido com uma pergunta sem a resposta - que certamente não virá no próximo episódio, e será assim até o final. A Maldição tem consciência de que a sua história é mais importante do que alguns sustos ou mistérios temporários. O drama da família, aliado a construção dos dilemas de cada um dos personagens é o foco que nunca se perde e envolve o espectador até o último (e incrível) episódio.
A atuação mediana de todo o elenco se eleva com os diálogos pouco expositivos, que se tornam cada vez mais poéticos perto do desfecho - e ainda que soe cafona, a poesia de horror cai como uma luva naquela altura do campeonato. Flanagan eleva ao máximo a interação entre os personagens ao fazer um capítulo inteiro em quatro planos sequência. A escolha não é aleatória, assim como boa parte dos sustos, pois constrói empatia entre os Crane e o público. Poucas séries da Netflix conseguem aproveitar tão bem o gênero como A Maldição, e este episódio especificamente é um ótimo exemplo.
Por mais que os cartazes e trailers vendam uma série que transborda horror, A Maldição da Residência Hill está longe de causar arrepios. E não há nenhum demérito nisso. Na verdade, a jornada apresentada aqui é contada sob uma atmosfera de suspense que causa medo pela proximidade com a vida real, com os problemas do dia a dia e que, na pitada de ficção que é ilustrada pelos fantasmas de uma casa amaldiçoada, se torna emocionante na medida certa. A força real da série está nos medos e traumas passados, nos questionamentos que a vida acumula ao longo do tempo - e que muitas vezes são mascarados por fantasmas insignificantes, que servem como desculpas para uma luta sempre evitada. No fundo, fantasmas são apenas escolhas e aqui as piores delas são exploradas do início ao fim.