Anatomia de um Escândalo não é nem meramente escandalosa

Créditos da imagem: Divulgação/Netflix

Séries e TV

Crítica

Anatomia de um Escândalo não é nem meramente escandalosa

Minissérie sofre com o legado repetitivo de seu criador.

Omelete
4 min de leitura
19.04.2022, às 11H46.
Atualizada em 19.04.2022, ÀS 14H22

Para o espectador que não conhece o trabalho de David E. Kelley, criador de Anatomia de um Escândalo, a minissérie da Netflix vai ter a mesma familiaridade que para aquele que já sabe de quem se trata o showrunner. Isso porque, de fato, as plataformas de streaming estão tomadas de produções apoiadas nesse mesmo enredo: gente branca, rica, poderosa, tendo seus podres expostos ao público enquanto um crime é investigado. David deve ser responsável por provavelmente todos os títulos que lhe passarem pela cabeça.

Já para aqueles que conhecem o roteirista, a trama da minissérie é somente mais uma nesse mar de dramas jurídicos que compõem sua carreira. David começou na década de 80 com o sucesso L.A Law e de lá para cá nunca mais parou de escrever sobre tribunais. São dele Ally McBeal (1997), O Desafio (1997), Boston Public (2000), Justiça sem Limites (2004), Harry's Law (2011), entre outras. Sempre muito preso ao modelo procedural, ele descobriu o filão das minisséries elegantizadas com Big Little Lies (2017) e desde então tem se dedicado a elas com afinco.

Mesmo antes de Anatomia de um Escândalo, ele já tinha contado uma história parecida na HBO, com The Undoing, estrelada por Nicole Kidman e Hugh Grant, um ator que sabe o que é ter sua vida escandalizada por um detalhe de sua privacidade. No auge de seu sucesso, em 1995, Hugh foi preso por fazer sexo com uma prostituta dentro do carro. Ele era casado. Embora The Undoing não passe pelo tema exatamente, a ideia da relação entre homem desmascarado e esposa devotada está ali; e se repete com Anatomia.

Na trama da minissérie – baseada no livro de Sarah Vaughan – o marido é um político britânico muito próximo do Primeiro Ministro, que de repente se vê envolvido numa trama de adultério e estupro, quando uma colega de trabalho o denuncia como agressor. James Whitehouse (Rupert Friend, de Homeland) até está disposto a assumir o caso com Olivia (Naomi Scott), mas se recusa a aceitar a acusação de violência. Além de lidar com as implicações públicas do evento, ele precisa encontrar um jeito de manter a esposa Sophie (Sienna Miller) a seu lado, enquanto Kate (Michelle Dockery, de Downton Abbey), a promotora, faz de tudo para destruí-lo.

Anatomia de uma Rotina

A primeira pergunta que a minissérie levanta é qual sua relevância num mercado já saturado das mesmas narrativas. O que a história quer vender para a audiência é o diferencial de que, nesse caso, a dúvida paira sobre qual versão está correta, justamente porque Olivia e James já tinham um envolvimento anterior. Julgar um estupro entre um casal já estabelecido se torna uma tarefa mais complicada e o roteiro de David até que se dedica bastante a exercitar os pormenores culturais que essa situação sugere. Desde Diana lá nos anos 90, que escândalos sexuais movimentam os tabloides britânicos. Sobre isso não há o que dizer... a minissérie está contextualizada.

SJ Clarkson, de Succession, dirige a obra fazendo o que pode para usar o visual no processo de fuga do lugar-comum. Enquanto as sequências se debatem em diálogos que já ouvimos várias vezes, a direção enfeita a ação com quebras lúdicas, ilustrando pensamentos e emoções com alegorias. Embora mais polido agora, o recurso já foi utilizado antes, lá em Ally McBeal. Ainda que cheio do verniz da modernidade, o tempo todo em que a minissérie se desenvolve, ela parece cansada, repetitiva, atrelada ao estilo recorrente do criador, sem nenhum frescor estrutural.

O trio de protagonistas segura bem o enredo. Embora a personagem de Michelle Dockery pareça saída de um best-seller de Sidney Sheldon (com direito a grande e única reviravolta da temporada), ela se destaca como aquela que mais consegue injetar nuances para o papel. Rupert e Sienna estão corretos, mas seus personagens já foram criados em bases muito comuns. O maior problema é com Naomi Scott. Embora Olivia seja a personagem que denuncia o político poderoso, ela é esquecida assim que a temporada decide que explorar o passado dele é mais importante. É inacreditável a forma como o roteiro simplesmente esquece que ela existe.

Não é como se a série fosse ruim. Dentro do que ela se propõe, ela se sustenta com qualidade. O problema é que isso que ela propõe é enfadonho, moroso, sem nenhum senso de originalidade. É a mesma história, contada do mesmo jeito, com os mesmos resultados. Isso nos leva até uma realidade inevitável: nada em Anatomia de um Escândalo é realmente chocante e por mais que ela trate de abusos e violências que nunca devem ser naturalizados, sua própria existência irrelevante contribui para a banalização. O que ela faz está longe de merecer ser chamado de “anatomia”. Ela dá “uma passada rápida” no assunto... e olhe lá.

Nota do Crítico
Regular
Anatomia de um Escândalo
Encerrada (2022-2022)
Anatomia de um Escândalo
Encerrada (2022-2022)

Criado por: David E. Kelley

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
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