Durante os 13 episódios da nova temporada de Demolidor, Matt Murdock não sabe qual é o real intuito do herói existir. Depois de anos como o vigilante, ele entende, como todos que atuam contra o crime, que o sistema é mais forte, longevo e o preço é alto demais para combatê-lo. Não há nenhuma novidade nesse dilema, que encabeça a trama dos capítulos inéditos disponíveis na Netflix. Nem por isso o seriado deixa de se destacar, já que alia tal conflito com o que há de melhor no personagem: dramas religiosos e familiares. A luta contra a máfia e Wilson Fisk guiam toda a história deste terceiro ano, mas ganha força quando entende que as perguntas feitas por Matt vão além do combate ao crime.
Antes Demolidor pouco explorava o passado dos personagens, mas agora entende que não há como escapar do peso que cada um deles carrega. Se por um lado o roteiro compreende qual caminho seguir, por outro ele prolonga e dá espaço demais a certas questões. A repetição de diálogos e a demora em solucionar problemas simples fazem a série se arrastar mais que o necessário. Ainda assim, apoiado por uma fotografia inspirada e o carisma e talento de Charlie Cox, o programa se mantém como um dos melhores da Marvel na Netflix.
Tudo começa após o desastre que encerrou Defensores, série que uniu todos os heróis urbanos da empresa na plataforma de streaming. O impacto causado na cidade, sob a perspectiva do Demolidor é mínima, mas o peso da perda de Elektra é o que faz Matt questionar do real valor do herói. A partir daí, as ações dele se esticam até chegar ao arqui-inimigo do personagem: Wilson Fisk. No meio do caminho, porém, o passado dele é trazido à tona com intermináveis diálogos dentro da igreja. Enquanto fica claro o cuidado com os enquadramentos mais dramáticos e ilustrados por estátuas do local, o texto se estende ao ponto de desvalorizar parte do trabalho estético da série. Em suma, o seriado não precisava de 13 episódios.
Essa duração se justifica pelas tramas paralelas, liderada lá por Fisk, Poindexter, Karen Page, Foggy Nelson e o agente Nadeem. Tirando os antagonistas, todos os outros permeiam as escolhas de Matt e tentam combater a máfia que volta a assolar a cidade. Ainda que a intenção seja dar profundidade à história de cada um, a série mais uma vez se prolonga ao contar o passado de Page e a dar detalhes demais da vida de Nadeem e Foggy.
Com tanto a ser resolvido entre o trio principal (Mercenario, Demolidor e Fisk), não há nenhum motivo real para se perder tanto tempo com coadjuvantes que já foram apresentados em outra época. Não aumenta o impacto, não melhora a narrativa e nem ajuda a desenvolver a história principal - são fillers, apenas.
As cenas de ação, em especial um plano sequência no quarto episódio, mostram uma evolução se comparadas às outras temporadas - e mais ainda se lembrarmos das outras séries da Marvel na Netflix. Cox apanha como nunca, luta como sempre e convence em quase todas as cenas coreografadas. A direção sempre opta pela agilidade da câmera, locais escuros e muita sanguinolência, o que torna chocante sem ser gratuito pois tudo ali acontece com motivo e ajuda a entender a brutalidade dos personagens envolvidos.
Vincent D'Onofrio, como sempre, exagera nos trejeitos para tornar o Rei do Crime um vilão amedrontador, mas não sai da figura esquisita com cara de psicopata definido pelos surtos de violência. O antagonista é ótimo, mas passa a sensação de ser um dos poucos sem desfecho pois vive sob o falso manto do amor por uma mulher, sem nunca se tornar o vilão que realmente é e que conhecemos dos quadrinhos.
Por outro lado, Poindecker é apresentado com paciência e precisão. De todos os inimigos secundários já apresentados, ele é o com os melhores momentos dentro da série. Caso a Netflix continue a investir nestes heróis, será interessante ver uma nova empreitada do Mercenário contra um Demolidor mais consciente do próprio papel.
Se não tivesse perdido tanto tempo em histórias paralelas e repetido tantas questões ao longo de 13 episódios, a nova temporada de Demolidor seria algo memorável. Ao se adequar ao formato dos anos anteriores e abusar do background desnecessário de seus coadjuvantes, ela se destaca - mas com momentos irregulares. O talento de Cox e o domínio completo que tem sob o personagem sustentam a narrativa, que se estivesse preocupada somente com os temas principais, tornaria o demônio de Hell's Kitchen mais brutal, interessante e menos disperso do que realmente é.