Demorou, mas a Marvel Television parece ter aprendido a fazer, bom, televisão. Depois do inesperado sucesso de Agatha Desde Sempre, a divisão responsável pelas séries atingiu seu ápice com Demolidor: Renascido, tranquilamente uma das melhores produções do MCU desde Vingadores: Ultimato. É claro que os padrões não são muito altos, então permitam-me ser direto: contemporâneo, equilibrado e bem-escrito do começo ao fim, o retorno de Matt Murdock (Charlie Cox) não só alcançará as expectativas de fãs como, com sorte, abrirá um novo caminho ao mostrar o que essas histórias podem ser.
Continuando a história das três temporadas exibidas originalmente na Netflix (e agora disponíveis no Disney+) através dos personagens, mas acessível para quem ao menos conhece o básico sobre o Homem Sem Medo e seu rival – Wilson Fisk, o Rei do Crime (Vincent D’Onofrio), Demolidor: Renascido é a primeira produção do MCU que parece resoluta em falar sobre o aqui e agora. Sua primeira temporada (a segunda chega em 2026) é recheada de discussões sobre violência policial e políticos questionáveis, com alusões mais do que claras a acontecimentos recentes e temas sensíveis. Ainda que a não seja afiada como algo criado por David Simon (sejamos honestos, o que é?), a disposição de Renascido de encarar essas coisas, ajuda a perpetuar sua maior qualidade. O universo Marvel é, por vezes, criticado por apresentar uma versão “higienizada” da realidade. As pessoas não têm desejo sexual, os cenários são CGI sem personalidade, os vilões são caricatos e tudo termina numa luta de lasers. Não aqui. O mundo de Demolidor é inconfundivelmente real.
Como consequência, os dramas dos personagens ganham mais força, o que é acompanhado por um texto inteligente que encontra nos paralelos entre Matt e Fisk a oportunidade para falar sobre as tendências violentas dentro dos homens, e como é preciso lutar ativamente para querer melhorar as coisas, e a si mesmo. Ambos personagens começam a série virando a página. Matt passa por uma experiência traumática que o convence a deixar o manto de Demolidor de lado, e apesar de sofrer pelos acontecimentos, o advogado muda de vida. Quando o reencontramos, Murdock decolou na profissão, tem uma vida amorosa saudável e está genuinamente feliz. Fisk, por outro lado, jura ter abandonado o império do crime – agora chefiado por sua esposa, Vanessa – e se candidata à prefeitura de Nova York com a promessa de colocar a mão na massa. Se a alusão a Trump não ficar clara com seus gestos infantis, então os bonés dos apoiadores farão o serviço.
A jornada dos dois é espelhada ao longo da série, tanto em cenas que servem como tentação para a volta aos velhos tempos e ambos vão, aos poucos, sendo desafiados um pelo outro a ver quem vai ceder primeiro. Tudo isso começa com a melhor cena do episódio de estreia: em referência ao lendário encontro de Al Pacino e Robert De Niro em Fogo Contra Fogo, Renascido coloca Matt e Fisk sentados num diner. O momento é estranhamente convidativo para os dois – há uma segurança muito primitiva em ver um rosto conhecido quando o mundo a sua volta mudou de vez – mas termina, como no filme de Michael Mann, com cada um deixando uma ameaça para o outro.
Cox nunca esteve melhor no papel, e D’Onofrio segue entendendo como colocar um bebê adulto em tela. Vê-los se segurando para não explodir está entre os grandes prazeres da série, que aqui e ali entrega episódios genuinamente emocionantes – como o suspense de tribunal que vem no terceiro capítulo – e simplesmente divertidos – o quinto episódio coloca Matt, como civil, no meio de um roubo de banco.
Esse é o gancho perfeito para falar do problema que assola a temporada. Especialmente durante a primeira metade, é difícil não enxergar Renascido como um remake (melhorado, mas familiar) da primeira e terceira temporadas da Demolidor original. Depois da abertura, que tem mais uma das já icônicas cenas de luta em plano-sequência envolvendo o personagem, Murdock demora a vestir a roupa novamente. Ele já abandonou o uniforme de diabo uma vez, depois de Defensores, e o arco da terceira temporada da série clássica envolvia seu retorno.
Há, portanto, uma sensação de déjà vu, mas felizmente a espera vale a pena (digo o mesmo quanto ao ressurgimento do Justiceiro de Jon Bernthal), porque enquanto o advogado está no nos holofotes, Renascido trabalha seu drama de maneira muito melhor graças à construção de mundo dos roteiristas liderados pelo showrunner Dario Scardapane. Há diversos heróis da Marvel que atuam em Nova York, mas poucos deles parecem tão inseparáveis da cidade quanto, digamos, o Batman é de Gotham ou Superman de Metropolis na DC. Homem-Aranha e Demolidor são as maiores exceções, e aqui vemos isso em prática.
Demolidor: Renascido faz da cidade um lugar real, dos seus habitantes, pessoas verdadeiras. Matt Murdock é tão interessante sem o uniforme quanto com. Na verdade, quando o Demolidor renasce de vez, sua volta só tem significado por como a série prepara bem o terreno. Matt precisa se entender não como um agente da violência que Fisk eventualmente volta a exercer, agora de forma oficial, mas como uma alternativa que ensinará NYC a ser uma cidade sem medo.
Demolidor: Renascido
Criado por: Daredevil: Born Again
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