Disclaimer permite a Alfonso Cuarón fazer TV sem se misturar

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Crítica

Disclaimer permite a Alfonso Cuarón fazer TV sem se misturar

Narrativa sobre cultura do cancelamento é marcada pela altivez

Omelete
3 min de leitura
14.11.2024, às 11H41.

Dois Oscars de melhor diretor foram o suficiente para que Alfonso Cuarón abraçasse de vez o elitismo hollywoodiano. Não é de espantar que, depois da consagração com Gravidade (2013) e Roma (2018), ele escolhesse a adaptação do romance Difamação, de Renée Knight, para ser sua estreia na TV, dado que esse tipo de narrativa de escândalo doméstico se presta naturalmente a consagrar julgamentos e autoridades morais.

O que espanta é a facilidade com que o diretor e roteirista incorpora em Disclaimer a tradição puritana dos americanos no trato do desejo. A dinâmica que engatilha a trama não parece tão distante assim de E sua Mãe Também (2001) - viagem paradisíaca desperta pulsões secretas entre adolescente e uma mulher mais velha - mas o caminho que Disclaimer toma a partir dessa premissa não poderia ser mais oposto em relação ao filme mexicano de Cuarón.

Ao final de Disclaimer, descobrimos que há uma pegadinha nesse registro; a escandalização é menos sobre a ofensa em si e mais um recurso para conduzir o espectador até o limite da revelação de um segredo. No centro desse conto sobre a cultura do cancelamento, Cate Blanchett se esforça para dar dignidade a uma personagem instrumentalizada que o roteiro, no jogo de reviravolta, passa sete episódios indignando. Blanchett refaz Tár (2022) em chave condescendente. Disclaimer não tem o mesmo senso de humor autocorrosivo de Tár, porém, ainda que Cuarón pareça se divertir quando finge se escandalizar.  

Na prática o que transparece nesse trabalho de adaptação é todo um esforço de se apartar do que narra. Para além de desacelerar a trama de vingança (que afinal é o motor da minissérie), a constante narração em off sublinha o distanciamento. A direção de fotografia de Emmanuel Lubezki, sempre esmerada, se distrai em enriquecer o plano de informações visuais, o que dá aos cenários de Disclaimer mais uma textura de conto de fadas do que de contemporaneidade de fato, em especial no jardim e nas janelas. (Não parece capricho relembrar aqui que o primeiro trabalho de Lubezki com Cuarón foi de fato num conto de fadas contemporâneo quando os dois adaptaram Grandes Esperanças, projeto estético que até hoje define essa parceria.)

Durante a divulgação da série, Cuarón disse em entrevistas que seu objetivo era trazer para a TV a estética do cinema - e nessa fala já está postulado portanto todo o princípio do aparte. Observar tudo de cima, com a autoridade dos cineastas, é a maneira que o mexicano encontra de responder à expectativa depois dos dois Oscars sem correr o risco de se envolver demais com os mecanismos e os moralismos da TV. Não parece por acaso que o ator mais à vontade em Disclaimer seja Kevin Kline, cujo personagem vingativo assiste a tudo como um titereiro, anestesiado pela roda do tempo e pela sua altivez.    

É possível argumentar que todo o efeito que Disclaimer busca está sendo construído meticulosamente na encenação, seja na forma como a informação visual carregada se presta a gerar uma claustrofobia cara ao suspense, seja na modulação da escandalização e da vulgaridade. Isso não inviabiliza a constatação de que os habilidosos profissionais por trás dessa narrativa estão colocando sua sofisticação a serviço de uma expressão de elitismo e isenção.

 

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Criado por: Alfonso Cuarón

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