“Bem-vindo ao clube das piranhas”. A famosa frase pertence ao dirigente Ron Dennis, da McLaren, ao felicitar a chegada do dono de equipe Eddie Jordan à Fórmula 1, no começo dos anos 1990. Mais de 30 anos depois, ela se encaixa como uma luva para a mais nova temporada de Fórmula 1: Dirigir para Viver (Drive to Survive, no original em inglês), que estreou na última sexta, 11, na Netflix. Em parte, por conta da ausência do campeão mundial: Max Verstappen.
O formato da série, que foca no dia a dia da F1, continua o mesmo das temporadas anteriores: uma mistura de relato dos bastidores com a edição diária do BBB. Afinal, além de um acesso privilegiado às equipes e pilotos da categoria, a série também traz uma versão altamente editada das corridas de 2021 - algo que, sem qualquer respeito com a cronologia real dos fatos, deve deixar o “Mr. Edição” do reality show brasileiro morrendo de inveja.
No entanto, Max Verstappen, que viria a ser o campeão mundial do último ano, se recusou a participar das gravações da quarta temporada da série. “Eles fingiram algumas rivalidades que realmente não existiram”, justificou o piloto em outubro passado, em entrevista à Associated Press. “Por isso, decidi não fazer parte e não dei mais entrevistas depois disso, porque aí não tem nada que você possa mostrar.”
Ainda assim, a equipe da produção continuou tendo acesso à Red Bull Racing, time do holandês, mas não foi possível acompanhar momentos mais íntimos de Verstappen, seja na vida pessoal ou não. Foram feitos registros apenas do que as habituais câmeras de televisão, da transmissão oficial, possuem acesso. Por isso, ao retratar os acontecimentos fora das pistas, o vice-campeão Lewis Hamilton acabou sem o seu adversário e, dessa forma, também perdeu relevância. Pesou então a maior participação dos dois chefes de Red Bull e Mercedes, respectivamente Christian Horner e Toto Wolff. Ambos, claro, totalmente abertos às câmeras da Netflix.
A forte presença dos dirigentes não é apenas uma característica da F1 como um todo, mas também das temporadas anteriores de Drive to Survive. Porém, com Verstappen e Hamilton quase em segundo plano quando fora dos seus carros, houve espaço para que ambos os dirigentes desfilassem os seus ego frente às câmeras. E eles gostam disso.
Wolff talvez seja o caso mais peculiar. Austríaco de Viena e ex-piloto, o diretor técnico e CEO da Mercedes-AMG F1 fez fama mesmo no mundo dos negócios, é o que os americanos chamam de “self-made man” e adora os prazeres da vida da alta classe. Não por menos, a série faz questão de ressaltar, mais de uma vez, os peculiares e específicos pedidos de Toto à mesa. Os fãs de cinema ainda vão encontrar um peculiar carisma de Wolff: o dirigente divide o país natal com ninguém menos que Arnold Schwarzenegger, compartilhando também o peculiar sotaque ao falar inglês.
Já Horner é completamente diferente. Também ex-piloto de pouca expressão, o inglês tenta se manter mais ligado às suas origens, mesmo que nas aparências. Ainda que tenha se casado com a Spice Girl Geri Halliwell e tenha, certamente, um dos maiores salários da F1, vemos o dirigente comentando sobre os iates em Mônaco como se fossem de um mundo que não o dele. Há, ainda, duas falas de Horner que exemplificam as diferenças dos dois: quando ele percebe, de ouvido, que a Ferrari de Charles Leclerc tem problemas; e quando comenta justamente que Wolff é um homem dos números, não das pistas.
Em uma temporada onde os recursos, punições, discussões e comentários jocosos tiveram um protagonismo tão grande quanto as batidas de roda (literais) entre Hamilton e Verstappen, tudo isso resulta em um Drive to Survive extremamente político (ainda mais). O ápice é no décimo e último episódio, totalmente dedicado ao GP de Abu Dhabi, em Yas Marina. Sim, aquele no qual os postulantes ao título chegaram empatados em pontos - e que foi decidido na última volta, após uma polêmica decisão dos comissários e da direção da prova.
Na oportunidade, a categoria fez o máximo para não terminar a prova em bandeira amarela - e, de forma pouco usual, permitiu que apenas os retardatários entre Lewis e Max pudessem descontar a volta atrás. A edição, inclusive, faz questão de ressaltar os comentários contrários à atitude, que beneficiou Max, mas não há ninguém (nem da Red Bull) defendendo-a.
Já os áudios das conversas no rádio entre Wolff, Horner e o diretor de provas da F1, Michael Masi, - que foram ouvidos durante a transmissão oficial - ganham cara nova na Netflix, com uma câmera voltada aos protagonistas, incluindo Masi. O agora famoso “no, Michael, no” de Wolff e o “isso é corrida de automóvel” de Masi, ditos na disputadíssima volta derradeira, ficam ainda mais saborosos com as imagens. Até mais: descobrimos que Toto não entendeu a mensagem do diretor, precisando da ajuda de um colega - que se viu obrigado a repetir a última palavra, em alemão.
Pois é. Dizem que, ao sonhar, xingar ou rezar, fazemos sempre em nossa língua materna. Entre esses três, definitivamente sabemos o motivo que levou o cérebro de Wolff a regredir ao seu idioma original. Parafraseando Ron Dennis: “Nur ein weiterer Tag im ‘Piranha's Club’”. Apenas mais um dia do Clube das Piranhas, no meu fraco alemão.
Fórmula 1: Dirigir para Viver
Em andamento (2019- )
Duração: 4 temporadas
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