O grande fantasma das séries adolescentes que ficam no ar muito tempo é o próprio tempo. Além da idade dos atores aparecendo cada vez mais em seus portes, a exigência da longevidade provoca um “estica e puxa” narrativo que privilegia o choque, mas que precisa, também, voltar sempre para o mesmo lugar - afinal de contas, todos precisam estar nos corredores da escola na temporada seguinte, por mais traumáticos e limítrofes que tenham sido os eventos do ano anterior. Com isso, o senso de credibilidade vai se esvaziando.
Quando Elite começou, ela tinha a seguinte premissa: “Três jovens amigos - Samuel, Nadia e Christian - recebem bolsas de estudo de uma construtora depois de um colapso ter danificado a escola deles devido a obras mal feitas. Sua nova escola é Las Ensinas, um instituto de prestígio na Espanha, onde as pessoas de elite do país enviam seus filhos para estudar”. A ideia de sucesso iminente não era um exagero, já que estamos aqui, desse lado, sempre em busca de narrativas de superação que nos sirvam quando decidimos fazer as nossas.
Contudo, a maneira como Elite nasceu foi sustentada pelo mínimo de semanas e logo que aquilo que a distinguia começou a esvaziar, ela se perdeu no próprio vazio. Os amigos pobres que entravam na escola dos ricos (que só tem um corredor e muitas mesas vazias) ofereciam ao enredo um papel sócio-político, que podia discutir de verdade uma série de questões relevantes naquele mundo vigente. Nadia (Mina El Hammani) e Omar (Omar Ayuso), inclusive, foram responsáveis por manter essa linha criativa sob controle por um bom tempo. Contudo, assim que eles também começaram a investir em relacionamentos, tudo mais foi colocado em segundo ou terceiro plano.
Não demorou e Elite já estava repetindo enredos, esquecendo de sua premissa e jogando os personagens num vai e vem de irrelevância, mascarada pelo uso excessivo de sequências de sexo quase explícito, que foram se sofisticando com os anos. Essa sexualização tão direta pode ser prejudicial ou incômoda, mas funciona como uma muleta, uma garantia perante o público de que, se forem traídos e a série não aproveitar direito suas histórias, ao menos a quase pornografia estará lá . E foi assim desde então... A quinta temporada desse hit da Netflix chegou disposta a manter sua fama, aumentando consideravelmente não só a dose de erotismo, mas de homoerotismo.
Pai e filho
Desde que começou, a série demarcou fronteiras controversas na sua abordagem sexual. As relações heterossexuais eram retratadas sempre com mulheres sendo abusadas, violentadas... traço que se mantém no DNA da produção até hoje: a quinta temporada também tem sua storyline tradicional de estupro. A objetificação principal sempre foi muito mais masculina. Os personagens gays tinham as cenas de sexo mais gráficas, sem nunca perderem uma certa tensão sexual com os que não eram gays. Assim, a atmosfera de “dark room” nas festas e encontros coletivos nunca era perdida. Drogas, muito sexo, muita impunidade... A série pensa que sim, mas ela nunca fez crítica à inconsequência juvenil. O que ela faz é pura apologia.
Se na temporada anterior os irmãos Ari (Carla Díaz), Mencia (Martina Cariddi) e Patrick (Manu Ríos) vieram para dar ao enredo algum escopo, dessa vez os roteiristas resolveram ser ainda mais diretos e trouxeram Ivan (André Lamoglia), um jovem que se torna imediatamente um interesse romântico para Patrick. Ivan é filho de um jogador de futebol totalmente boêmio... que também se torna interesse romântico de Patrick. Ou seja, é uma espécie de “ultimate fetish” - o personagem gay mais hedonista se envolve com pai e filho, ambos sarados e atraentes, numa narrativa errática do ponto de vista cultural, mas certinha para a audiência sedenta por mais erotismo. Tudo fica ainda mais forte quando percebemos que André (um jovem ator brasileiro que fala um bem-vindo português perfeito) tem 200 quilos de carisma na tela.
É claro que temos o “crime da temporada”, como em todos os anos. Mas Omar, Samuel (Itzan Escamilla), Rebe (Claudia Salas) e Caye (Georgina Amorós), personagens mais antigos, soam tão deslocados que esse “mistério” não tem nenhuma importância. De quebra, ele ainda desonra um de seus originais ao dar-lhe um final que luta terrivelmente para provocar alguma comoção, sem nenhum sucesso. O espectador que chegou até ali provavelmente está mais interessado em saber “com quem Patrick vai ficar... pai ou filho?”. Com Samuel e Omar se despedindo esse ano, é essa geração de jovens que nunca assistem aula ou fazem provas e trabalhos que precisa segurar Elite na corda bamba.
Contudo, a direção dos episódios continua elegante. As escolhas musicais e a edição sempre ajudam a trazer o espectador de volta para o que está acontecendo. As cenas sexuais, embora quase explícitas, mantêm um certo bom senso e um nível de realismo que não prejudica os estilismos visuais. A longa e já famosa sequência entre Ivan e Patrick no quarto do novo personagem – quando os dois começam assistindo vídeos pornográficos - é carregada de uma tensão e de um erotismo que talvez tenha se marcado na história das séries de TV. Esse dado, de certa forma, absolve Elite do completo vazio.
Contudo, o roteiro se mantém na superfície, sem cavar como deveria a discussão sobre como o cenário homossexual hipersexualizado tem se arriscado a sair do âmbito da fantasia e construído máximas perigosas como a de que “todo homem hétero acaba sempre topando experiências sexuais com outro em algum momento” ou de que uma amizade entre personagens gays é impossível, ou de que a monogamia é impossível (sendo sempre ridicularizada), ou de que gays atraentes nunca, nunca mesmo, podem parecer gays.
Assistir a série só pelo sexo, não se importar com o que ela quer dizer... Os motivos de qualquer espectador são legítimos, mas a série se complica quando quer parecer “antenada” e só vai confirmando sua superficialidade. Aquilo que nasceu como uma promissora história sobre choques sociais se tornou um arremedo erotizado e esteticamente elitista (o que é perfeitamente irônico). E é isso mesmo: Elite segue sem respeito por personagens femininas, objetificando os homens, sem personagens negros, gordos, usando a diversidade como muleta pornográfica e levando a audiência nas alturas.
Criado por: Élite
Duração: 8 temporadas