Elite mostra despreparo para lidar com as próprias polêmicas na 6ª temporada

Créditos da imagem: Netflix/Divulgação

Séries e TV

Crítica

Elite mostra despreparo para lidar com as próprias polêmicas na 6ª temporada

Apesar de se achar inovadora e provocativa, produção espanhola continua absolutamente vazia

Omelete
4 min de leitura
21.11.2022, às 15H32.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

À essa altura do campeonato, aquele que se surpreende com a linguagem de Elite ao dar play na nova temporada, esteve de olhos fechados esse tempo todo. Em sua nova leva de episódios, o sucesso da Netflix está fazendo exatamente tudo que se espera dele, mostrando jovens ricos e entediados usando drogas e fazendo sexo 25 vezes no mesmo episódio (e isso não é um exagero). Desde que o erotismo e a violência foram descobertos pela Espanha como centro criativo, tudo a respeito daquela dramaturgia é construído nessas bases.

Temporada após temporada, episódio após episódio, nenhum dos personagens da série é nem meramente feliz, demonstra qualquer tipo de humor ou empatia pelo sofrimento alheio. Os roteiristas não querem saber de alívio. Os objetivos da equipe são claros: eles querem chocar; e não existe choque possível – na cabeça deles – se não tivermos em cena alguém nu, machucado ou chapado. Não há nenhum lugar de conforto para onde o espectador possa fugir, nenhum casal terno, nenhuma amizade sincera, nenhuma redenção verdadeira. Em algum ponto tudo será traído, ferido, desrespeitado.

Curiosamente, essa é a primeira temporada da série em que não temos personagens originais. No quinto ano, depois de segurar os últimos dois deles até o limite do possível (e se livrar também de alguns que estavam desde a temporada 2), a série entrou num modo de risco, quando enfrenta a desconfiança do público com um universo que não tem mais pontos de apoio clássicos. Ainda temos Ari (Carla Díaz), Mencia (Martina Cariddi) e Patrick (Manu Rios) funcionando como “os mais antigos”. Os roteiristas não se acanharam de apoiar todo o sofrimento das histórias em cima deles.

As primeiras reações que a nova temporada trouxe falavam em “menos sexo”, mas essa é realmente apenas uma primeira impressão. Talvez nunca tenhamos uma temporada tão pornográfica quanto a quinta, mas os alvos dessa vez são outros apenas. Como era de se esperar, o relacionamento de Patrick com Ivan (André Lamoglia) passa por provações e isso diminui o investimento sexual entre eles, que foram as estrelas da exploração erótica do ano anterior. Com isso, tudo se desvia de volta para Ari, que agora tem como principal interlocutor um novo personagem.

Criminal

Era uma questão de tempo até a série trazer um personagem trans. Nico (Ander Puig) é o novo estudante-que-não-estuda do colégio Encinas, que imediatamente entra no radar por falar abertamente de sua transição. Nico tem uma família compreensiva, pais dedicados e até mesmo uma pseudo namorada que se esforça para demonstrar carinho e atenção. Mas, é claro, chegar naquela escola significa deixar a alma nos degraus de entrada. Ari vai se aproximando malignamente, garantindo que todos os aspectos da vida de Nico sejam destruídos pouco a pouco.

Lendo essa pequena “sinopse” fica parecendo que os planos são até justos para tratar a questão. Elite sempre teve essa arrogância de achar que aborda bem as polêmicas que incita. A verdade, contudo, é outra. Em 2004, Ryan Murphy (conhecido por tratar a representatividade com respeito) trouxe Famke Janssen para viver a mulher trans Ava Moore e transformou a trajetória da personagem num completo pesadelo para a comunidade, fazendo com que sua presença ali se resumisse a “não ser uma mulher real”, com direito a uma transa interrompida porque o homem percebeu que ela não tinha uma “vagina de verdade”. Tudo sobre Ava era uma questão genital.

Elite, exibida quase 20 anos depois, está presa nesse mesmo passado. A presença de Nico é um problema desde o primeiro momento. Ari se aproxima falando da genitália dele, os personagens ressoam a genitália dele, as situações são todas focadas na comparação entre ele e os outros meninos. Os roteiros, se achando maravilhosos, levam isso a extremos humilhantes. Nico se resume a ser um menino trans, a não ter um pênis, a tentar ter um pênis, a ter vergonha da vagina... Um tipo de abordagem que não naturaliza e sim explora, mantendo a horripilante tradição de usar assuntos delicados como armas de choque.

Para não dizer que tudo está perdido, o estupro sofrido por Isa (Valentina Zenere) resulta em alguns momentos de honestidade, raros. O grupo de rapazes que participou do crime é levado pela temporada com coerência narrativa, com uma distribuição de vilões e arrependidos que é, no máximo, correta. Por outro lado, a tentativa de abordar a homossexualidade do pai de Ivan foi truncada, perdida entre noções punitivas que também já estão datadas.

No final das contas, se esses enredos não estivessem espremidos na engrenagem hedonista da série, talvez fossem menos irritantes também. São festas constantes, drogas o tempo todo, sexo o tempo todo, ninguém estuda, ninguém faz uma prova, ninguém discute uma nota ou um trabalho... sequer vemos professores. E ainda tem o “crime da temporada” - aquele que precisamos “desvendar” no decorrer dos episódios e que não tem nenhuma relevância para nada.

E se você acha que está tudo desgastado, prepare-se para a temporada 7. Ao som de "Bitter Sweet Symphony", um gancho “surpreendente” deixa a audiência certa de que os adultos que circulam pelos corredores de Las Encinas farão 30 anos lá dentro... Ou sairão para outros com 25 entrarem. A juventude idiotizada retratada por Elite sofre de um caso grave de delírio. Eles não estão revolucionando a TV. Eles estão só requentando o próprio vazio. 

Nota do Crítico
Regular
Elite (2018-2024)
Encerrada (2018-2024)
Elite (2018-2024)
Encerrada (2018-2024)

Criado por: Élite

Duração: 8 temporadas

Onde assistir:
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