Boas histórias frequentemente partem de uma ideia simples, elaborada de uma forma que a torne distinta. Com For All Mankind, é o que acontece. Quatro anos após iniciar o trabalho especulativo sobre a corrida espacial para chegar à Lua, a série cumpre com louvor o que foi, certamente, seu maior desafio até então: manter sua essência ao chegar perto demais da realidade de sua audiência.
Afinal, o grande triunfo do drama científico criado por Ronald D. Moore é exatamente a capacidade de elaborar histórias absolutamente humanas em contextos grandiosos e complexos, o ponto forte de seu autor. Embora atraente e muitíssimo bem fundamentado, o teor geopolítico da trama é apenas um trampolim para que as fissuras emocionais criadas em cada um daqueles personagens sejam expostas da forma mais clara possível.
No quarto ano, a impressão que temos é a de estarmos diante de um imenso quebra-cabeças enfim começando a tomar forma. Após décadas explorando o espaço, pela primeira vez vemos a colônia de Marte se transformar em um povo, que carrega consigo para fora da Terra todas as estruturas hierárquicas herdadas da sociedade contemporânea. E aqui vai o primeiro golpe: capitalismo ou socialismo parecem ser apenas duas palavras diferentes para que o poder se mantenha sempre nas mesmas mãos.
É interessante ver, agora, que as duas frentes em que a série opera tornam-se ao mesmo tempo paralelas e convergentes; aqueles que estão em Marte têm suas próprias inquietações e exigências, enquanto o que se desenrola na Terra os afeta, diretamente, pouco ou quase nada. A princípio, a impressão que isso dá é de uma temporada dispersa e sem unidade criativa, mas logo fica claro que há um motivo para isso.
É mérito de um trabalho bem pensado e estruturado, aliás, que o desfecho da temporada tenha sido insinuado desde o início, mas que ocorra sem ser óbvio.
Quando a chegada de Miles Dale (Toby Kebbell) aponta para uma revolta trabalhista, a impressão inicial é que veremos uma simples (mas empolgante) refação de revoluções populares do início do século passado. No entanto, o movimento jamais é usado de forma simplória apenas para empurrar a história adiante. Pelo contrário, o foco nesta porção dos funcionários da Helios funciona em uníssono com o que acontece com Margo (Wrenn Schmidt) na URSS, e a frágil reconstrução de sua relação com Aleida (Coral Peña).
Por isso, saem do foco diretores da NASA, presidentes e executivos que, desde o início, serviam mais como um impedimento do que um propulsor dos grandes movimentos; cada vez mais nas trincheiras, For All Mankind desvia o olhar para as consequências de tanta sede de poder para quem cumpre ordens sem ter voz. E mostra que, embora essa voz da massa pode ser manipulada, não é o que veremos por aqui.
É justamente por isso que a eclosão da revolta dos trabalhadores dá a sensação de ciclo completo. Se inicialmente o incômodo era por melhores condições de habitação e tratamento na estação, a trama dá conta de levar todos aqueles personagens para um lugar mentalmente mais ambicioso e perspicaz.
E aqui está o segundo golpe: enquanto a revolta hibernava ao longo da temporada, Happy Valley foi deixando de ser apenas um trabalho, e Marte foi se tornando um lar para quem já foi invisível.
O resultado é apoteótico e catártico em todos os sentidos; o final de temporada é como se uma panela de pressão enfim explodisse após dar muitos indícios de que era hora de desligar. É neste ponto que as histórias se convergem de forma coerente, com Margo tomando a mesma decisão que Dev (Edi Gathegi), Ed (Joel Kinnaman) e companhia.
Agora é impossível olhar para trás: o asteroide Cachinhos Dourados se tornou um ponto de ruptura inevitável entre Marte e a Terra, e levanta um dilema com relação direta com o título da série; o que seria melhor para toda a humanidade, trazê-lo para a Terra ou desviá-lo para Marte? Se o imediatismo fala do lado oposto da evolução, então a resposta já está clara.
No fim, o que a quarta temporada de For All Mankind representa é um caminho sem volta na exploração de até onde a ambição humana é capaz de chegar. Infelizmente, deixar de lado as cenas em que tudo dava errado fora da estação é um equívoco que faz com que a trama perca boa parte da sua urgência. Ainda assim, tensa como nunca e mais coerente do que jamais esteve, a série caminha para se tornar uma das grandes obras esquecidas pelo panteão das premiações. (E que venha 2012!)
Criado por: Ronald D. Moore, Ben Nedivi e Matt Wolpert
Duração: 4 temporadas