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Crítica

Game of Thrones - 4ª temporada | Crítica

A emancipação da obra de George R.R. Martin

16.06.2014, às 20H44.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H38

Após os episódios finais da terceira temporada, no ano passado, Game of Thrones causou expectativas sem tamanho. Fãs dos livros As Crônicas de Gelo e Fogo já antecipavam alguns dos principais acontecimentos, pois a segunda metade de A Tormenta de Espadas é o ponto alto dos romances escritos por George R.R. Martin. Os leitores já ameaçavam com spoilers os que apenas assistiam à série.

Desta vez, no entanto, quem leu os livros teve a chance inédita de se surpreender com Game of Thrones. Esta foi a temporada que mais se distanciou da fonte, com soluções criativas para aumentar a interação entre personagens já amados. O resultado foi um destaque maior à independência de David Benioff e D.B. Weiss, responsáveis pela adaptação, e a melhor temporada da série até hoje.

Os parágrafos abaixo contêm spoilers da quarta temporada de Game of Thrones. É recomendável lê-los depois de ter assistido a todos os episódios.

A partir do quarto episódio, quando Bran (Isaac Hempstead-Wright) e Jon Snow (Kit Harington) deixaram seus arcos originais para ir até a casa de Craster, ficou claro que Benioff e Weiss tomariam rumos diferentes dos livros. Desde então, proporcionaram encontros empolgantes como o de Brienne (Gwendoline Christie) e Sandor Clegane (Rory McCann) em "The Children". Estas intersecções nas tramas tornam a história mais complexa e diminuem a fragmentação dos episódios, pois mais personagens estão no mesmo local.

Alguns desvios não acrescentaram tanto à trama. O principal exemplo é a missão à casa de Craster. Por mais que seja justificada por Jon como uma queima de arquivo, parece mais uma desculpa para acrescentar cenas de ação. Game of Thrones ser cheia de violência não é algo ruim, mas geralmente ela tem relevância para o enredo. As cenas com filhas/esposas de Craster - um dos personagens tomava vinho enquanto diversos estupros apareciam ao fundo - e a tentativa de violação de Meera Reed (Ellie Kendrick), no mesmo episódio, são um exemplo. O mundo criado por Martin é, sim, cruel e repleto de injustiça. Mas os personagens masculinos dificilmente sofrem qualquer violência grave (quanto mais sexual) fora do contexto de batalha. Enquanto isso, é aceitável mostrar sexo forçado como "papel de parede" de episódios filler.

Até personagens relevantes e conhecidas como mulheres fortes têm seu poder diminuído diante destas escolhas de roteiro. O estupro de Cersei (Lena Headey) no terceiro episódio, por exemplo, foi desconsiderado no finale - também dirigido por Alex Graves. E a cena em que Daenerys (Emilia Clarke) finalmente abre mão de seu jejum sexual e demonstra poder na cama, ordenando que Daario Naharis (Michiel Huisman) tire a roupa, dura poucos segundos. Nada é mostrado - irônico para uma série com tantas cenas de sexo. A cena seguinte exibe Melisandre (Carice van Houten) sem roupa por alguns minutos. Prioridades?

Game of Thrones 09 abr 2014 1

Fortalecendo relacionamentos

É no aprofundamento das relações entre personagens que a quarta temporada se mostra superior. Os diálogos ganharam mais intimidade e até tons de comédia. Arya (Maisie Williams) e o Cão, que já seguiam jornada desde antes do Casamento Vermelho, ficaram mais próximos e criaram uma relação de amor e ódio. Benioff e Weiss souberam aproveitar estes momentos, já que a dupla apareceu em quase todos os episódios. Particularmente divertida é a gargalhada da garota Stark ao saber da morte de sua tia. Foi a primeira vez em muito tempo em que ela pôde voltar a ser criança, ainda que por alguns segundos.

Oberyn Martell (Pedro Pascal), uma das novas contratações da série, veio para ser amado. O príncipe tinha motivação e charme suficientes para angariar fãs. Mesmo com sua morte, ele cumpriu o importante papel de apresentar os espectadores a Dorne - a província deve ganhar destaque na quinta temporada. Suas aventuras nas casas de prostituição e os diálogos com os Lannister davam novos sabores às cenas de Porto Real, pois o núcleo não tinha renovações no elenco desde a chegada dos Tyrell.

Do outro lado do mundo, Daenerys teve uma mudança importante em sua trajetória. Ela deixou o nomadismo - situação em que se encontrava desde a primeira temporada - para finalmente governar. O dilema do colonizador frente a uma cultura já estabelecida foi bem trabalhado pelos criadores através das audições na sala do trono. Para enriquecer o núcleo, papéis da Baía dos Escravos ganharam mais destaque. Verme Cinzento (Jacob Anderson) e Missandei (Nathalie Emmanuel), com seu amor impossível, trazem mais personalidade à trama, que estava muito centralizada na herdeira Targaryen.

Mindinho, revelando-se como o jogador por trás dos maiores acontecimentos anteriores, se mostrou um dos melhores personagens da temporada. Aiden Gillen consegue fazer um perfeito dissimulado. Seu ar cínico é sedutor, mas dá repulsa ao mesmo tempo. O público é fisgado como Sansa (Sophie Turner), que deixou de ser a garota ingênua da primeira temporada há tempos. A filha de Eddard Stark já aprendeu muito. Sansa não espera mais finais de contos de fadas e aprendeu a prever os piores acontecimentos. Assim como nós, que esperamos os próximos episódios com a certeza de que os momentos felizes serão raros.

Game of Thrones S04E08 The Mountain and the Viper 11

Mas ninguém se destacou tanto quanto Peter Dinklage. Não tem jeito, ele nasceu para interpretar Tyrion Lannister. Há diversas cenas com atuação invejável, mas seu julgamento em "The Laws of Gods and Men" fez queixos caírem. Os diretores tomaram a decisão certa ao reservar um longo período para o tribunal. Mantiveram o hábito de temporadas anteriores de deixar o melhor para o fim do programa. A morte de Joffrey (Jack Gleeson) tomou boa parte do segundo capítulo, enquanto o episódio "The Watchers on the Wall" abordou só o núcleo de Jon Snow. O season finale, por outro lado, subverteu as expectativas de calmaria após grandes acontecimentos - como era comum nos outros anos. A quarta temporada trouxe pelo menos quatro episódios importantes, com finais surpreendentes, mais agitada do que nunca.

E foi a temporada que mais assumiu seu lado mágico. Tanto no episódio final, com mortos-vivos, bombas de fogo e Crianças da Floresta, como na explicação para o surgimento dos Caminhantes Brancos (que, aliás, não está nos livros por enquanto - mais um motivo para leitores se renderem à série!). Estes foram capítulos que reafirmaram a natureza de Game of Thrones. Uma série política, sim, mas de fantasia. Em todos os sentidos, fantástica.

Nota do Crítico
Bom

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