É raro que uma narrativa soletre com tanta clareza - e, inclusive, tanto desprendimento - os seus temas quanto a segunda temporada de Halo faz em um momento específico do episódio “Onyx” (2x06). Na cena em questão, a Dra. Catherine Halsey (Natascha McElhone) corta pela raiz o discursinho de Kwan Ha (Yerin Ha) sobre a destruição do seu planeta, Madrigal, pelas mãos dos soldados de elite conhecidos como Spartans, criados pela cientista para combater os alienígenas do Covenant. “Você pode pular a parte em que diz que a culpa é minha, tudo bem?”, diz Halsey, com o tom de quem não só não se importa com essa história toda, como também acha que ninguém deveria se importar, no grande esquema das coisas.
Como reimaginada pelo roteirista David Wiener (Admirável Mundo Novo), que assumiu a série após um primeiro ano atribulado por trocas de showrunner e complicações pandêmicas, Halo encontra o seu melhor impulso narrativo no cabo de guerra entre as preocupações micro e macro que são inerentes a qualquer conflito bélico, seja ele intergaláctico ou não. Wiener se conecta com facilidade inegável à história de humanidade perdida dos seus personagens soldados, com suas vidas inteiras presas a uma construção falsa de heroísmo que os empurra na direção de um sacrifício útil e até necessário, mas antitético à construção de qualquer autonomia afetiva, qualquer identidade genuína.
É nesse dilema que se localizam os Spartans liderados por Master Chief (Pablo Schreiber) após o pulo temporal no início da temporada. Com corpos e mentes danificados após batalhas particularmente brutais, eles entram em conflito direto com uma cadeia de comando fragilizada pela ausência da Dra. Halsey - vácuo de poder do qual o inescrupuloso Ackerson (Joseph Morgan) se aproveita - e em meio a uma ofensiva preocupante dos inimigos alienígenas, que miram o planeta-base militar de Reach como seu próximo alvo. É a conjunção narrativa perfeita para explorar a colisão entre a fragilidade do humano e a inflexibilidade das estatísticas e desenhos políticos que determinam as estratégias de batalha.
De fato, muito do sucesso da segunda temporada de Halo está em montar essas “conjunções narrativas perfeitas”. O talento de Wiener, na verdade, está em olhar para os personagens e situações que existem no universo do qual foi dado o comando (seja o que foi preparado na primeira temporada ou o que pode ser puxado da mitologia dos jogos) e saber apontá-los na direção de uma história que tire significado do que eles são. Não há coadjuvante sem arco na segunda temporada de Halo, não há subtrama que incomode por parecer divorciada da direção emocional da narrativa principal - e sobre a qual, portanto, o espectador não consegue se importar.
Até por isso, a porção opera dessa space opera funciona muito bem, obrigado. Os melhores episódios ou cenas da série são aqueles que se concentram nas consequências da ação, e não na ação em si. Um exemplo fácil: “Visegrad” (2x03) e “Aleria” (2x05) são muito mais íntegros como televisão do que o próprio “Reach” (2x04), que é a peça central de batalha da temporada. Ajuda, é claro, que o diretor Otto Bathurst traga a “Aleria” uma sensibilidade visual aguçada, que oscila com habilidade entre close-ups dessaturados de seus personagens em momentos de virada sentimental e takes mais contemplativos do cenário severo que os cerca nesse momento fundamental de reagrupamento.
Ele é o diretor que melhor captura esses soldados e comandantes que se dilaceram na divisão entre grandes destinos e pequenas perdas, monstros mitológicos e desavenças mesquinhas, ilusões de grandeza necessárias e pequenas verdades dolorosas. E, se o protagonista Schreiber por vezes precisa recorrer ao melodrama para vender seu Master Chief como herói predestinado, ao menos ele está cercado por figuras gratamente humanas - é nos rostos Natasha Culzac (Riz), Kate Kennedy (Kai), Bookem Woodbine (Soren) e Fiona O'Shaughnessy (Laera), especialmente, que a luta para se justificar como pessoa diante de uma circunstância “despersonalizadora” por excelência se torna crível, pulsante e envolvente como narrativa.
O que ainda frustra nessa segunda temporada de Halo é quão desajeitada a série é na hora de fazer o pulo entre esse novelão de ficção científica e o épico de ação militar que os fãs da franquia claramente esperam que a série seja. Invariavelmente, quando é obrigada a apertar o pause no drama e partir para a briga, a série decai - e não é nem por incompetência técnica que isso acontece. Da batalha em plano-sequência do episódio “Reach” ao confronto final entre Master Chief e o agente do Covenant conhecido como Árbitro, o segundo ano de Halo entrega com consistência momentos de ação perfeitamente dinâmicos e apropriadamente reverentes aos elementos de combate que fizeram do jogo um produto cultural importante.
Até certa pitada de ousadia e conhecimento de gênero fica aparente no episódio “Halo” (2x08), que fecha a temporada, dirigido como um filme de zumbis por Dennie Gordon (Warrior). O problema, portanto, parece ser mais de comunicação do que de execução - se boa parte dessa nova Halo funciona por estar alinhada a um objetivo narrativo claro, os grandes rompantes de adrenalina da série ainda se mostram guiados por um cinismo e uma aderência a chavões equivocados que arriscam colocar todo o trabalho de Wiener e cia. a perder. Há, especialmente, uma tendência de instrumentalizar a morte de personagens como estratégia de choque, cortando arcos narrativos pela metade a fim de impulsionar outros, que não convence mais em pleno 2024.
Somos afinal um público que viu, nas últimas temporadas de Game of Thrones, exatamente onde uma série que se importa menos com os seus personagens e mais com o seu capital social vai parar. Halo faria bem em evitar a solidificação desse paralelo nos próximos anos, se eles vierem mesmo à fruição.
Criado por: Steven Kane, Kyle Killen
Duração: 2 temporadas