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Crítica

Jessica Jones - 1ª Temporada | Crítica

Série adiciona o suspense psicológico ao panteão das séries da Marvel

21.11.2015, às 18H47.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40

Jessica Jones é um dos primeiros produtos desta nova fase da Marvel no cinema e na TV a explorar a fundo a psicopatia de heróis e vilões. Ambientada nas mesmas ruas de Demolidor, outra produção da Netflix, o seriado situa o espectador nas entranhas de uma Nova York abalada pelo surgimento de seres com poderes e cheia de pessoas atormentadas por acontecimentos vistos em Vingadores e Era de Ultron. Para se diferenciar dos demais, a série não só mostra um lado mais sombrio e adulto da Casa das Ideias, como apresenta um thriller psicológico que vai além das histórias publicadas nos quadrinhos.

A mulher super-poderosa (Kristen Ritter) das HQs da Marvel continua forte, curiosa e desbocada. Por outro lado, os tormentos causados pelo seu passado, o alcolismo e todas as escolhas erradas que Jones fez compõem o fio-condutor de toda a narrativa desta primeira temporada com mais força do que nas páginas de qualquer gibi da personagem - mesmo no selo Max. Essa abordagem dá certo, principalmente, pela presença de David Tennant como Kilgrave, o Homem-Púrpura. Sarcástico e com presença maléfica imponente, o vilão é o componente que faz a série superar seus próprios defeitos, se tornando uma das melhores empreitadas da Marvel na TV/streaming até hoje.

Uma detetive em crise e o melhor vilão da Marvel?

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O roteiro de Jessica Jones segue uma linha do tempo não-linear, assim como Demolidor. Ao mesmo tempo que ela luta contra Kilgrave, flashbacks contam sobre sua origem e outros acontecimentos importantes situados no passado - desde a sua adoção até o relacionamento com Luke Cage (Mike Colter). Assim como nos quadrinhos, o trauma causado pelo tempo em que passou controlada pelo vilão é o que a persegue. A diferença é que aqui um lado mais frágil da personagem é mostrado. Ela sempre lamenta, sofre e se arrepende de muitas atitudes. Kristen Ritter traz uma Jessica amargurada e até frágil demais, ainda que com uma frase de efeito diferente para cada ocasião.

A comparação com o Demolidor de Charlie Cox aqui cabe bem novamente, pois a Marvel parece querer contar origens sem mostrar o real motivo dos poderes de cada herói. A ideia é compôr o caráter dos personagens a partir dos primeiros dilemas que eles enfrentam na carreira. Matt Murdock confronta a máfia, Jessica Jones um psicopata. Ser ou não ser um super-herói não é a primeira dúvida de ambos. O problema aqui é entender se eles são mesmo pessoas boas e o que vão fazer com seus poderes. Estes embates pessoais funcionam melhor quando há um antagonista forte o suficiente para tornar aquele questionamento crível - e é por isso que Kilgrave sustenta os 13 episódios da série como nenhum outro vilão da Marvel.

Os primeiros capítulos mostram o vilão apenas como uma presença, uma força de pura maldade que faz pessoas cometerem atos bárbaros. Quando David Tennant aparece com seu terno roxo e um sorriso sarcástico, a impressão é que a magia vilanesca se transformará em algo mais caricato, como a maioria dos bandidos da Marvel. Isso não acontece. Tennant equilibra de forma magistral o humor ácido de Kilgrave com seus acessos de pura loucura. O ator escocês escapa dos diálogos óbvios com um timing perfeito para alternar entre o psicopata apaixonado e o vilão de planos mirabolantes.

O roteiro é cheio de conversas mal escritas e piadas recorrentes, mas acerta ao retratar o poder de Kilgrave pelos efeitos colaterais. Mais do que mostrar a força do controle mental, a série expõe quão problemático é viver depois de ser controlado. Muitos personagens questionam a razão verdadeira de terem feito tal ato e começam a duvidar da própria sanidade, mesmo longe do Homem-Púrpura. Enquanto constrói esse ambiente de alucinações e paranóia, Jessica Jones está um nível acima da média para qualquer série de TV.

As piadas, Luke Cage e os Defensores

O escorregão maior do seriado é a pobreza de produção em cenas de ação e a falta de inspiração nos diálogos entre os quatro principais personagens: Jessica, Cage, Trish e Kilgrave. Há química entre todos, o casting foi bem feito, mas não há um episódio sequer em que alguém não precise soltar um bordão. Jones o faz ao menos duas vezes por episódio. Isso não constrói o personagem, apenas cria uma aura mais irreal para uma série que tenta toda hora manter os pés na realidade. Jones age, muitas vezes, como Tony Stark (Robert Downey Jr) em Era de Ultron - na primeira oportunidade, faz piada ou desdenha de alguém. Até a terceira vez é interessante, daí em diante se torna cansativo.

Os combates são outro defeito evidente. Jessica não sabe lutar, por isso é justificável não termos lutas coregrafadas. O que não se engole são as cenas mal filmadas e os efeitos pobres para mostrar a força dela e de Luke Cage. Cortes secos e ângulos extremamente fechados não dão a noção das lutas que ocorrem na tela. E diferente de Demolidor, que tinha cenas de ação bem compostas, Jessica Jones passará longe de ser lembrada por isso, apesar de ter muitas sequências do tipo ao longo de 13 horas de conteúdo. 

Esta é uma série que comprova mais uma vez a necessidade de existerem dois universos diferentes no universo cinemático da Marvel. Os deuses e super-heróis lidam com as coisas de grandes escala, com os problemas mundiais. Os 'dotados' precisam conviver com os efeitos que estas mudanças trouxeram às cidades, enquanto se descobrem e procuram uma vocação justa para aqueles poderes. Aqui, a Netflix e a Marvel fazem essa conexão com os filmes e outras séries de forma sutil, sem jogar desculpas aleatoriamente para agradar aos fãs.

Entre altos e baixos, Jessica Jones é o melhor exemplo de série de super-herói desta safra mais recente. Mesmo com um roteiro falho e cenas de ação pouco inspiradas, toda a batalha psicológica entre Jessica e Kilgrave, onde reside o coração da trama, é bem desenvolvida. Há uma clara evolução de escolha de elenco e na composição narrativa. Os núcleos se encaixam bem e os ganchos são interessantes o suficiente para desejarmos uma nova temporada. Não há dúvida que a Marvel encontrou o caminho para mostrar seu lado mais adulto.

Nota do Crítico
Bom

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