Vai fazer um ano que se encerrou a Fase 4, mas a tônica dos filmes e das séries do MCU no período - personagens em crise de identidade e à procura de uma razão de ser, como reação à saturação do gênero dos super-heróis depois de Ultimato - continua aí, a julgar pelo que a segunda temporada de Loki tem a oferecer. Como o Tear Temporal sempre na iminência de implodir, essa crise parece atingir agora o ponto de colapso: antes de colocar seu personagem em busca de si, Loki está em busca de uma história para contar.
O arco temático segue bastante uniforme em relação à primeira temporada, com Sylvie e Loki questionando como lidar com livre-arbítrio, propósito e identidade depois da morte de Aquele que Permanece. O formato episódico do ano um, porém, que soube oferecer aventuras de fantasia e ficção científica com recompensas pontuais, dá lugar a uma trama circular concentrada na Autoridade de Variação Temporal e nas tentativas de restabelecer uma ordem no caos. Levar do passado o criador da AVT, o Kang alternativo Victor Timely, para as próprias instalações da AVT no presente, é o fiapo de pretexto que se dilata em seis episódios.
O tropo do eterno retorno é caro às histórias de viagem no tempo à moda H.G. Wells, de A Máquina do Tempo; segundo elas, as ações num tempo presente não são capazes de alterar um futuro pré-determinado. Isso poderia render em Loki uma narrativa neurótica potencialmente interessante, em que o Deus da Trapaça se vê diante da sua sina de derrotado contumaz e precisa desmenti-la. Na prática, porém, o que acontece na temporada é que esse tropo se presta a maquiar uma fragilidade da série: a lógica circular denuncia a falta de uma história para contar.
O que o fã e o espectador casual encontram, na verdade, é a velha criação de expectativa para o que se promete gigante e bombástico no futuro, uma guerra inevitável protagonizada pelos Kangs alternativos que foram enunciados na primeira temporada de Loki e revelados no final de Quantumania. Os motivos do presente na série se tornam prosaicos na comparação: consertar o Tear, devolver ordem à AVT. Nomes são colocadas na ação como que num sorteio de protagonismo (Casey, General Dox, X-5) e isso só evidencia o vácuo narrativo que se luta para ser preenchido. Até que Loki ganhe novos poderes para resolver o problema da vez, no episódio derradeiro, a temporada opera com gosto de filler, e cabe às atuações mais performáticas (Jonathan Majors, Ke Huy Quan) injetar algum encanto ao que de resto nos chega trivial.
Impor ao espectador um senso artificial de urgência não seria tanto o problema se os roteiristas de Loki não estivessem dobrando a aposta nessa gravidade do processo terapêutico, da busca por propósito. Super-heróis agem como reação a um impasse real e presente - eles são como operários nesse sentido, e não é por acaso que mitologicamente os super-heróis falam ao homem comum - e filmes como Guerra Infinita tiraram o que de melhor pode ser discutido sobre essa natureza mecanicista do bom-mocismo e da predestinação. Já o pobre Tom Hiddleston - cujo Loki está em última instância competindo para se tornar o super-herói da sua própria história - é forçado a chorar, sofrer, se contorcer, se sacrificar por uma abstração.
Acaba que Loki se encerra nesta temporada como uma série cheia de não-questões, encenada de modo vacilante, onde os melhores momentos são aqueles cômicos que evidenciam justamente o absurdo do fazer burocrático super-heróico, como os intervalos de Mobius comendo uma tortinha na cafeteria (a escalação de Owen Wilson para esse papel nunca deixará de ser uma escolha mais do que certeira). A Loki cabe essa dinâmica mal formulada e mal aproveitada de neurose, de lidar com o chamamento do perigo e ficar correndo de um lado para o outro como num labirinto lynchiano, procurando para si alguma consistência que não seja aquela meramente casuísta (como lembrar que o personagem tem um passado vilanesco quando é preciso a tortura num interrogatório).
Talvez devolver a Loki seu status de deus seja a única saída possível para esse personagem tão descaracterizado ao longo dos filmes, porque o deus só precisa ser um emblema, um totem, uma silhueta num trono, e não uma figura com passado, presente e futuro. A exemplo desta temporada sem propósito, os deuses no fundo não têm problema nenhum para resolver além do tédio de ser quem são.
Criado por: Michael Waldron
Duração: 1 temporada