Maniac, recente minissérie da Netflix criada por Patrick Somerville e dirigida por Cary Fukunaga, demora a se fazer compreensível ao espectador - mas, quando isso acontece, a surpresa é positiva. A trama, estrelada por Jonah Hill e Emma Stone, gira basicamente em torno da ideia da criação de um medicamento que cure os maiores traumas das pessoas, supostamente resolvendo seus problemas e tornando-as psicologicamente mais funcionais. Para isso, os holofotes ficam sobre as cabeças de Annie (Stone), diagnosticada com transtorno da personalidade borderline, e Owen (Hill), um homem com esquizofrenia paranoide. Com delicadeza e respeito aos seus protagonistas, Maniac se revela tão lúdica quanto melancólica.
A temática da série, de usar intervenções neurológicas para solucionar traumas não é exatamente novidade - Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças, de Michel Gondry, é um clássico e lida basicamente com os problemas de tentar resolver os efeitos de experiências ruins que pontuam a existência com tecnologia. Se no longa de 2004 a solução era a remoção das memórias, em Maniac o remédio é mais literal - a Neberdine Pharmaceutical & Biotech, a Lacuna Inc. da Netflix, é uma empresa que testa uma combinação de drogas que, associadas a uma inteligência artificial, podem ser capazes de fazer com que seus usuários superem completamente seus traumas.
Para não perder a parcela do público menos predisposta a insistir em tramas levemente mais complicadas que a média, Maniac fisga o público desde o primeiro momento com seus dois protagonistas - mesmo sem saber para onde a minissérie vai, é difícil se desvencilhar de Owen e Annie. Jonah Hill e Emma Stone fazem um trabalho realmente espetacular desde suas primeiras aparições. Hill constrói a personalidade de Owen em pequenos detalhes, em expressões faciais minimalistas e entrega ao público um homem solitário, taciturno, que passeia constantemente pelo não-lugar decorrente da sensação ininterrupta de inadequação social. Já Stone é uma mulher que afundou na melancolia e usa um droga para ficar a maior parte do tempo desconectada da realidade, evitando dessa forma, confrontar sentimentos como culpa, saudade e, é claro, tristeza.
Verdade seja dita, há vários outros elementos cativantes já desde o começo, como a construção de uma realidade retro-futurista que soa como o mundo contemporâneo imaginado por alguém que ainda está nos anos 1980 - resumidamente, é possível dizer que a estética de Maniac é uma simbiose inesperada entre Black Mirror e Stranger Things. Visualmente, Maniac é ótima - em um momento, o diretor de fotografia Darren Lew bebe em fontes wesandersonianas através de escolhas simétricas de câmera ou cores delicadas; em outro, entrega um produto que encontra espaço para ser estroboscópico mesmo imerso em melancolia.
É difícil não sentir pena da dupla de protagonistas que já começam a história completamente quebrados. Quando a possibilidade de uma solução para a catatonia deles é introduzida, o espectador torce para que as coisas melhorem de fato para a dupla. Owen e Annie vem de vidas bastante distintas, mas essa espiral de dor acaba os unindo. Entre os pontos em comum, os dois tem a origem de seus traumas conectada de alguma forma com suas famílias. Owen, que nunca se sentiu confortável em sua família tóxica, está sendo empurrado pela mesma para mentir em um tribunal, salvando a pele do irmão que nunca o tratou dignamente. Annie acumula as dores do abandono de uma mãe disfuncional e de uma perda da qual nunca conseguiu se recuperar.
Em um elenco muito afinado, há um ponto fora da curva: Justin Theroux perde a mão na hora de criar seu dr. James Mantleray, uma versão espalhafatosa de O Médico e o Monstro. Ainda que pinceladas caricaturais não sejam exclusivas da construção do personagem dele - todo o núcleo da Neberdine Pharmaceutical & Biotech na verdade padece da mesma fórmula -, ele é o único que permite que isso faça sua atuação parecer uma paródia dela mesma. James é exagerado além da média e muitas vezes fica difícil não enxergar o ator atrás de um personagem frágil em suas bases. Sally Field e Sonoya Mizuno carregam suas personagens pitorescas sem a mesma dificuldade de Theroux na hora de fazê-las soarem sinceras em suas motivações, mesmo dentro de suas peculiaridades.
Ao longo de dez episódios,mesmo que não perca o ar sorumbático em momento algum, a série diverte ao colocar seus personagens passeando pelas alucinações gradativamente mais cinematográficas de Owen e Annie - os dois vão desde uma realidade fantasiosa com elfos e bruxas até uma trama noir de espiões se degladiando por um artefato raro, passando ainda por uma versão gangster de Hill no meio de um universo de violência gráfica. Há outros méritos, como bons coadjuvantes que vão desde Billy Magnussen (Unbreakable Kimmy Schmidt) brilhando como o irmão constrangedor de Owen e, paralelamente, como uma alucinação do protagonista, até Julia Garner (Ozark) que passa doçura na hora de apresentar ao público a irmã de Annie.
As questões principais da série caminham para lugares-comuns sobre o que é a normalidade - o tempo todo Maniac desconstrói esse conceito e questiona sistematicamente como ele pode ser nocivo para quem é naturalizado à margem dele. A proposta original chega perto de ser sufocada em meio à resolução de conflitos familiares, relacionamentos estranhos, momentos novelescos em tribunais e, resumindo, caos, mas, felizmente, ela resiste. Ao fim, apesar de se apresentar como algo realmente inédito, Maniac se revela ao fim dos dez episódios uma fábula conduzida por uma narrativa bastante clássica. Maniac se apresenta como uma montanha-russa de sensações estranhas - para o espectador, é um desses brinquedos de parque de diversão que vale a pena perder algumas horas na fila.