Manifest escolhe um final maniqueísta para tentar explicar seus delírios

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Séries e TV

Crítica

Manifest escolhe um final maniqueísta para tentar explicar seus delírios

Parte 2 da temporada joga fora toda e qualquer sobriedade e encerra sua trajetória com absurdos inexplicáveis.

Omelete
5 min de leitura
05.06.2023, às 10H02.
Atualizada em 05.06.2023, ÀS 10H15

Josh Dallas, que em Manifest vive o protagonista Benjamin Stone, já esteve numa série de fantasia antes. Entre 2011 e 2018 ele estrelou também a série Once Upon a Time, que fazia um jogo com personagens de contos de fadas, trazendo-os para viver dentro da nossa realidade. Na história daquela série, após conseguirem seu final feliz, a Branca de Neve e o Príncipe Encantado se casam e tem uma filha. Possessa, a Rainha Má joga sobre todo o Reino uma maldição, que faz com que os personagens dos contos de fada (reunidos na mesma realidade) sejam levados para o nosso mundo, onde vivem numa cidadezinha sem saber quem são.

Josh, enfim, era quem vivia o Príncipe Encantado, numa posição muito parecida com a que ocupou anos depois em Manifest: ele era o “herói”, aquele que estava sempre tentando resolver os problemas e achar soluções. Durante todo o tempo em que esteve em Once Upon a Time, Josh lidou com todo tipo de licença fantástica proposta pela série. Apesar de estar no nosso mundo, a história tinha raízes na fantasia, no lúdico, o que se adequava à forma como nós, enquanto espectadores, a recebíamos. Se uma trama apresenta estruturas que permitem o fantástico, vamos reagir a ele naturalmente.

É diferente de quando você sabe que está dando play numa história que não foi criada para distender assim a realidade. As histórias de mistério são um meio-termo entre isso e a permissão do impossível. Algumas das mais famosas transitam – ou transitaram - equilibradamente nesses polos. Em Arquivo X (1993), por exemplo, a proposta era falar do sobrenatural e de forças alienígenas. Mas, os roteiros tinham um pé no chão, e o faziam sob a ótica da ciência. Então, o espectador foi sendo “educado” a saber que havia limites de seriedade. Quando eles eram atravessados, perdíamos o interesse.

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Em Lost (2004) – que vive sendo invocada quando o assunto é Manifest – esse equilíbrio era ainda mais tênue. A história planejada incluía um monstro de fumaça que era visto eventualmente pela ilha. Era um esticamento severo da nossa realidade; mas, para evitar a banalização do recurso e mantê-lo seguro no campo de força da seriedade, os roteiristas provocavam hiatos longos entre as aparições e jamais caíam na tentação de manter os personagens interessados em explicar o fenômeno. Por cinco temporadas o monstro era só uma presença que precisava ser evitada. Quando a explicação veio, muitos podem ter torcido o nariz, mas ela veio também pautada em controle: as regras para existência dele eram delimitadas e cumpridas.

O grande problema de Manifest é o total descompromisso com controle. O mistério do avião 828 começou soando uma artimanha temporal e terminou com gente chamando a aeronave de “arca” para o julgamento dos passageiros; em meio a um apocalipse ridículo que ameaçava a existência explodindo vulcões ao redor do mundo. Sobretudo em seus últimos dois anos, a série entregou uma quantidade de artefatos mágicos, profecias, sinais, visões, poderes, que beirava a obsessão. Não ficávamos um só episódio sem um personagem olhar em close para o nada e dizer uma frase feita do tipo “Tudo está conectado” ou “Precisamos salvar o mundo”. Era tanta eloquência o tempo todo que nenhuma reviravolta, é claro, tinha verdadeiro impacto.

Turbulências

Nos últimos 10 episódios que já estão disponíveis na Netflix, o caos só piora. O criador Jeff Rake precisava responder duas grandes perguntas: por que aquilo aconteceu com o avião e por que aquelas pessoas foram escolhidas. Acabaria não sendo fácil, justamente porque entre o episódio piloto e essa última temporada tanta coisa aleatória foi jogada na trama, que resolver uma a uma ou encaixá-las no resultado final seria impossível. Saber como isso seria resolvido virou a meta de todo espectador que conseguiu chegar até aqui.

Os novos episódios passam mais da metade do tempo dentro do tal “Registro”; um lugar criado para lidar com os passageiros do avião e seus “chamados”. Esses “chamados” eram constantemente usados pelo roteiro para dar um tom procedural à série, permitindo que episódios fossem gastos resolvendo as visões que esses passageiros tinham. Dessa maneira, eles ganhavam tempo. Correndo por fora, Angelina (Holly Taylor) segurava sozinha a responsabilidade de justificar a trama inteira. É evidente que Jeff Rake mudou de ideia no meio do processo e desistiu de dar à série um caráter meramente concreto. Para fazer a curva até o “divino” ele precisava de uma personagem central que correspondesse à mudança. Foi aí que Angelina virou peça-chave.

Enquanto tenta reunir seu pequeno séquito de passageiros, Angelina também vai servindo como pavimentação dessas teorias religiosas. Mais uma vez, os roteiristas vão injetando reviravoltas malucas que não explicam nada e só servem como apelo visual. Chegamos ao extremo de ter pragas do Egito servindo como “metáfora” para essa abordagem religiosa capenga. O mais incrível dessa estratégia é ver que algumas vezes o caminho para a explicação é cortado e geralmente Ben é quem resume para o espectador por que aquilo está acontecendo. Vem dele a maioria dos “Isso é um sinal”, “É o julgamento deles”, “O perdão é que vai nos salvar”...

De fato, o mais assustador da experiência de ter visto Manifest foi a maneira como surgiu a resposta para o grande segredo do episódio final. Incapazes de encaixar todos os exageros que cometeram, os roteiristas tomaram a decisão sacana de abrir mão de tudo – TUDO – que havia sido feito até então, entregando uma resposta que anula, sem dó, praticamente tudo que aconteceu até aqui. Se o espectador pular do episódio piloto para a última sequência da série, ele vai entender tudo, com pouquíssimas exceções -- que estão mais ligadas a perdas de personagens do que ao miolo do enredo em si. Imagine ver uma produção inteira e no final alguém aparecer acordando e você perceber que tudo não passava de um sonho? Não é isso que acontece em Manifest, mas o sentimento causado pelo que eles resolveram fazer é o mesmo. O episódio ainda busca alguma ternura em reencontros, mas desconsidera completamente o valor da finitude.

Manifest foi desacreditada até mesmo pelo canal que a idealizou, mas foi salva pela Netflix para que pudesse dar aos fãs a tão sonhada resposta definitiva. A resposta é dada, está ali, mas é uma das mais preguiçosas e traiçoeiras do mundo das séries. Se era para entregar um devaneio maniqueísta sobre culpa e pecado, era melhor que esse avião nunca tivesse tocado o solo.

Nota do Crítico
Ruim

Manifest - O mistério do voo 828

Encerrada (2018-2023)

Criado por: Jeff Rake

Duração: 4 temporadas

Onde assistir:
Oferecido por

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