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Crítica

Masters of Sex - 1ª Temporada | Crítica

Sexualidade humana vista com paixão e burocracia

24.12.2013, às 17H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Quando você abre uma revista feminina, não é difícil encontrar matérias sobre a engrenagem sexual. Não há uma resposta definitiva sobre se a mulher se preocupa tanto em desvendar o sexo porque ele é parte do longo período de repressão social ou se a mulher se preocupa com mistérios, essencialmente. O fato é que as revistas femininas querem sempre falar sobre como prolongar isso ou aquilo, e passam bastante tempo procurando suavizar o desejo. Entre nomenclaturas e estatísticas, você acaba sempre se perguntando como o mundo chegou a certas conclusões acerca do coito. Como se descobriu que a mulher poderia ter vários orgasmos numa relação? Qual o teste que definiu o tamanho do pênis como irrelevante para o alcance do prazer? Há uma história para tudo e o canal Showtime resolveu fazer uma série sobre quem começou a responder essas perguntas.

Masters of Sex já inicia seu exercício de ambiguidades no título. A série se baseia no livro Masters of Sex: The Life and Times of William Masters and Virginia Johnson, the Couple Who Taught America How to Love de Thomas Maier, que vai fundo nas descobertas polêmicas sobre sexualidade humana ao mesmo tempo em que mergulha nas ironias das vidas dos pesquisadores, que por si só, já parece cheia de boa dramaturgia. William (Michael Sheen) era um respeitado médico da Universidade de Washington que decidiu começar um estudo sobre a resposta humana ao ato sexual. No início de suas pesquisas, contratou uma assistente para cuidar da burocracia e ela, surpreendentemente, demonstrou imenso interesse pelo trabalho do chefe. Um homem e uma mulher, ambos atraentes, estudando o sexo, vendo pessoas transarem o tempo todo, lutando contra toda a correnteza da atração natural... Essa é a base de Masters of Sex, uma das melhores surpresas dessa decrépita fall season americana.

Usando o livro como fonte, a série criada por Michelle Ashford não se priva de licenças poéticas, mas faz tudo seguindo equilibradamente a cartilha do respeito. Inteligentemente, a criadora estabeleceu sua linha criativa dividindo a série entre os vários aspectos polêmicos provocados pelo material humano do estudo de William com o que acontecia no íntimo dos dois personagens principais. Dr. Masters segue num processo de descoberta pessoal ao mesmo tempo em que desbrava os tabus do sexo. Virgínia (Lizzy Caplan) acaba funcionando para ele como um exemplo vivo das muitas respostas que podem ser encontradas no corpo e na alma de uma mulher. É fascinante notar como o estudo acaba funcionando como um tratado de permissão para o prazer feminino, uma renúncia à centralização do macho e, virando por isso mesmo, uma obra maldita, que faz com que a série seja ainda mais estimulante.

Masters of Sex critica 01

A grande mulher por trás do homem

Se hoje o machismo ainda nos assombra vez ou outra, com homens agindo como se o pênis e os músculos fossem ditadores da verdade, nas décadas de 1950 e 1960 era ainda pior. Masters of Sex começa estabelecendo imediatamente o jogo de expectativas entre os personagens principais. William é um homem frio (ainda que com motivos), distante, monocórdio e que se situa na sociedade da forma que se espera de um macho. Seu casamento é enfadonho e seu único prazer está em alcançar sucessos profissionais. Arrisco a imaginar que sua decisão de estudar o sexo nada teve a ver com melhorar o mundo, pelo menos não inicialmente.

Do outro lado temos Virginia, que não era o modelo convencional de mulher da sociedade. Forte, independente e determinada, ela já surge na trama como uma representação da própria vontade. Tem dois filhos pequenos de um casamento com um vocalista e, mesmo precisando trabalhar incessantemente, insiste em estudar numa carreira tomada por homens. Quando surge a oportunidade de trabalhar como assistente de Masters, ela se dedica totalmente a isso. Não demora para que a presença dela acabe afetando o mundo refrigerado dele.

Os estudos sobre a sexualidade humana consistiam basicamente em descobrir como o corpo e a mente se comportavam durante o ato sexual (solitário ou não). Pra isso, cobaias eram necessárias para se masturbar e transar diante dos pesquisadores. Os primeiros problemas surgem aí, principalmente porque a austeridade de William impede que ele convença pessoas a participar do estudo. Já Virginia, sempre movida pelo próprio desejo, compreende muito melhor as fragilidades e pontos de apoio dos indivíduos, tornando-se preciosa para o processo de recrutamento.

A série começa a demonstrar todo o seu poder quando tudo isso fica estabelecido. Por mais que esteja estudando o prazer, William não tem a menor ligação com ele. De uma forma velada, o roteiro se adianta em mostrar que o sexo não é fluído na vida do médico. Até mesmo para fins de reprodução, ele não funciona bem na vida do mesmo. Casado, William enfrenta uma série de problemas de fertilidade. Virginia é sua antítese. Indo de encontro a toda repressão que a rondava, ela vivia o sexo plenamente, entendendo e buscando a satisfação do próprio corpo. Isso se refletia no seu sucesso social, na sua postura perante o mundo, mais livre, mais relaxada. William logo se fascina pela evidência de que sucesso e competência não precisam estar atrelados a um comportamento severo. Virginia se torna indispensável e começa a contribuir ativamente para o estudo.

Masters of Sex critica 02

Cobaias imprevisíveis

O efeito desse paradoxo entre William e Virginia funciona de cara. Nós já sabemos que a tensão entre eles vai crescer climaticamente ao mesmo tempo em que o estudo também passa da empolgação para o descontrole, em pouco tempo. Cobaias humanas são praticamente incontroláveis e o roteiro de Masters of Sex se terceiriza a ponto de tornar o que já era ótimo em simplesmente excelente. O sexo vira a metáfora para a forma como todos os coadjuvantes se relacionam, desde o reitor que esconde uma homossexualidade latente, até a esposa dele, que às portas da velhice, nunca  conhecera um orgasmo.

O estudo de William segue em segredo mas, enquanto as cobaias vão se interligando inesperadamente, o trabalho do médico vai sendo afetado pela confusão entre compromisso profissional e excitação sexual. Tudo conduzido com imensa sutileza, transfigurando competência e desejo, fazendo com que as decisões de Masters com relação a Virginia sejam sempre dúbias e fazendo com que a segurança dela se afete pela possibilidade de ser vista como mais do que uma "divorciada bela e fácil". O estudo é um mundo novo para William apenas por causa da presença de Virginia e é um sonho de futuro para ela, simplesmente porque ela conseguiu se afirmar.

No meio da temporada tudo se complica terrivelmente com o estudo desestabilizando, indiretamente, todos os personagens que vivem nas redondezas. Virginia e William se fragilizam ao ultrapassar o limite profissional, mesmo fingindo que se tornar cobaia tem a ver com profissionalismo. O relacionamento dos dois vai da admiração mútua ao fantasma do machismo, sempre presente, sempre sendo usado como arma pra adiar a inevitável ligação emocional entre eles. O ritmo da narrativa fica irresistível, já que esse jogo de flexibilizar as possibilidades se estende por todos os núcleos. Os episódios, por conta disso, soam planejadíssimos e a temporada segue sem nenhuma sensação de "barriga".

Por trás dos panos

Michael Sheen e Lizzy Caplan estão perfeitos. Ela, especialmente, é um deslumbre. Virginia foi construída pelo roteiro como uma mulher emancipada, mas Lizzy transformou essa mulher num mito. Um mito que deixa os homens fascinados pela revelação de que a mulher pode ser tudo que a moral exige e, ainda assim, ser ardente na cama (numa época onde as aparências eram a "verdade", esse tipo de entendimento era muito relevante). A personagem é charmosa, ligeiramente sedutora, forte e terna. O trabalho de Caplan é o primeiro a tornar a série indispensável. Mas, além dos protagonistas, Allison Janney, Beau Bridges, Nicholas D'Agosto e Caitlin FitzGerald arrasam em seus papeis. Até mesmo Julianne Nicholson, que costuma fracassar em todas as séries que faz, se salva com sua Lilian DePaul, um oposto proposital de Virginia.

Não se deixem enganar pelos episódios longos, Masters of Sex é uma série de muitos clímax, e com um final que vislumbra inúmeras possibilidades de futuro. O sexo, o prazer, o preconceito, a homossexualidade, tudo sendo exposto sem o direito de sê-lo. Conforme o estudo se revela, o pior das pessoas se revela junto e tudo converge em sequências que nos deixam completamente angustiados. A hora da verdade também chega para William e Virginia... A essa altura, Masters Of Sex já se confirmou como uma produção cheia de inteligência, tesão, ousadia, humor, com uma dramaturgia esperta e - porque não dizer - obscena.

Nota do Crítico
Bom
Showtime
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Ano: 2002

País: EUA

Classificação: 12 anos

Duração: 96 min

Direção: Tom Dey

Elenco: Robert De Niro, Rachael Harris, Eddie Murphy, Zaid Farid, William Shatner

Onde assistir:
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