Sempre que pode, Hollywood adora falar de si mesma. Bastidores, grandes momentos de sua história, personagens marcantes, críticas ao seu sistema… volta e meia somos brindados com algum exemplar que acaba caindo no gosto daqueles que já conhecem esse mundo ou têm interesse em saber mais detalhes. Se alguns são ótimos exemplos em como misturar boas histórias com a enciclopédia de referências - como Era uma vez em… Hollywood, Trovão Tropical e O Jogador - outras acabam se perdendo e dando mais importância ao hobby e a paixão por Hollywood, do que ao que está sendo contado, vide os recentes Mank, de David Fincher, e Babilônia, de Damien Chazelle.
Por incrível que pareça, O Estúdio, nova série do Apple TV+, estrelada e dirigida por Seth Rogen, lembra o filme de Chazelle, mesmo que seja mais na forma do que no conteúdo em si. Não espere a nostalgia da Era de Ouro do cinema americano que o diretor de La La Land tentou passar em seu último filme. A semelhança está no uso da técnica, dos planos longos, planos-sequência e outros movimentos de câmera. Na utilização do free jazz para acelerar a história e deixar ela ainda mais caótica do que parece. Saturday Night, de Jason Reitman, se aproveitou dos mesmos artifícios no ano passado, mas acabava confinado em poucos corredores e espaços. Rogen e seu companheiro de aventuras Evan Goldberg têm muito mais palco para se apresentar.
A história de O Estúdio acompanha Matt Remick, um executivo do fictício Continental Studios, que vê sua carreira catapultada ao ganhar o cargo de chefe das produções. Matt, claro, tem sonhos artísticos e quer produzir grandes obras sob sua gestão, mas logo no momento de dizer “sim” é posto à prova com um primeiro projeto, vindo diretamente do presidente (o incrível Bryan Cranston): um filme blockbuster sobre o Kool-Aid, uma espécie de Ki-Suco americano. A partir daí acompanhamos o personagem não apenas com essa missão, mas lidando com outras situações que ele não esperava ou não julgava tão difícil assim. Favores, cortes em diretores renomados, premiações, promoção do estúdio, ataques de estrelismo… cada episódio de O Estúdio aborda uma situação diferente na vida de Matt e seu companheiros: o braço direito Sal Saperstein (Ike Barinholtz), que queria o cargo que Matt conseguiu, a jovem e sonhadora Quinn (Chase Sui Wonders) e Maya (Kathryn Hahn), a sempre superlativa responsável pelo marketing.
Rogen e Goldberg utilizam da própria linguagem cinematográfica para contar suas histórias. Um determinado episódio, com as participações especiais de Zac Efron e Olivia Wilde, fala sobre o sumiço de um importante rolo de filme, com a cena crucial de uma produção que está terminando de ser gravada. A história de investigação é toda contada com um noir e logo vemos Matt aparecer vestindo sobretudo, chapéu (o motivo é hilário) e gravando diários de voz que viram a narração dos fatos. No segundo capítulo, que tem Greta Lee e a vencedora do Oscar Sarah Polley, vemos uma situação envolvendo a produção de uma cena em plano-sequência. O episódio é todo filmado utilizando a técnica e o resultado é como se pegássemos o caos do sétimo episódio da primeira temporada de O Urso e juntássemos com a comédia vergonha alheia de Superbad.
Aliás, a comédia adolescente de 2007, também dirigida por Rogen e Goldberg, sempre ressoa em O Estúdio. O arco da CinemaCon, com suas festas e loucuras com drogas, a busca de Matt pela aprovação de Zoë Kravitz, no oitavo episódio, a tensa reunião com Ron Howard e, claro, todo o drama envolvendo Martin Scorsese, já no primeiro capítulo, tudo tem timing cômico praticamente perfeito do filme com Jonah Hill e Michael Cera.
Com tantas participações especiais citadas anteriormente - e acredite, não são nem metade do que você vai encontrar ao longo dos 10 episódios de O Estúdio - a série utiliza mais um artifício da própria Hollywood atual em prol da sua história. O público em geral quer entender as referências “fáceis” e não ficar de fora da discussão. Querem repetir o meme de Leonardo DiCaprio e se sentir parte desse momento de catarse coletiva ao pescar a aparição daquela pessoa que surgiu na tela. A história criada por Rogen, Goldberg, Frida Perez, Peter Huyck e Alex Gregory coloca esses elementos como parte da trama. Ao satirizar a escolha de elencos e prováveis cancelamentos ou linchamentos virtuais, a série utiliza Pantera Negra como referência principal. Zack Snyder, Antony Starr, Anthony Mackie, Sorria 2, Netflix… rostos e momentos muito mais pop.
São “piadas fáceis”, que no fim tornam O Estúdio muito mais próximo daquilo que é julgado como apenas mais um produto das organizações hollywoodianas, do que um “cinema de arte”, que os encantados pela cinematografia da série poderão apontar. E isso acaba, inclusive, se misturando com a própria jornada do personagem de Rogen ao lado de Patty (a sempre ótima Catherine O’Hara), produtora do Continental Studios, que antes ocupava o cargo que agora é de Matt. O que é arte e o que é produto dentro das grandes engrenagens de Hollywood? O que diferencia Barbie de Oppenheimer? Um filme é mais artístico que o outro por utilizar película ao invés do digital? Scorsese, Fincher, Cuarón e outros criam sua arte com o dinheiro que grandes estúdios e streamings dão. Em troca, as empresas querem utilizar a imagem dos diretores “de arte” como bibelôs em sua vitrine de sucessos para ganhar ainda mais dinheiro.
Abarrotado de momentos hilários e constrangedores, os episódios são enxutos e com arcos próprios, que vão somando na história geral e fortalecem o lançamento semanal do Apple TV+. Toda a primeira temporada vai juntando personagens, histórias e chega ao final pronta para arrancar a maior gargalhada, o aplauso mais alto, agradecer ao público presente e enfim largar o microfone. Hollywood sabe rir de si mesma e sempre aproveita para arrancar uns trocados a mais com isso. O Estúdio, no entanto, vale cada centavo do ingresso.
O Estúdio
Criado por: Seth Rogen, Evan Goldberg, Frida Perez, Peter Huyck e Alex Gregory