Durante as sete semanas em que O Senhos dos Anéis: Os Anéis de Poder exibiu sua primeira temporada, muito se falou sobre o suposto fracasso da série em se tornar o evento televisivo dominador de conversas culturais que o Prime Video certamente esperava que ela fosse. Semana após semana, a concorrente A Casa do Dragão - o paralelo comercial e narrativo é inevitável, por mais que os criadores neguem - parecia vencer de lavada a única batalha que realmente importa nessa era: a da quantidade de reações e memes postadas pelos fãs nas redes sociais.
Mas a realidade não é o Twitter, e ela não é tão simples assim. Os Anéis de Poder tem sido assistida em proporção igual ou maior do que A Casa do Dragão, e não sou eu dizendo isso, são as medições de streaming da indústria. A diferença está na forma como os showrunners J.D. Payne e Patrick McKay trabalham a narrativa, mais conscientes de um arco narrativo tradicional e de seu mandato pré-definido de cinco temporadas. Os Anéis de Poder, enfim, é uma série de TV de moldura clássica, e quer te contar uma história na era do “conteúdo” em que triunfam séries que se preocupam com isso só depois de assegurar a sua cota de cenas “memeáveis” por episódio.
Ela também é uma produção que escapa de maneira inteligente da armadilha que ataca tantos prelúdios de franquias estabelecidas: a de criar uma história com a qual não nos importamos o bastante, porque já sabemos o final. Os Anéis de Poder move peças o bastante da mitologia de J.R.R. Tolkien pelo tabuleiro para permanecer intrigante mesmo para quem conhece a história da Terra-média como a palma da mão, ao mesmo tempo em que expande com clara empolgação a ideia que leigos ou espectadores casuais dos filmes de Peter Jackson poderiam ter desse universo.
Os Anéis de Poder, enfim, é uma experiência encantadora para o espectador que mantém a sua mente receptiva aos prazeres da alta fantasia. Payne e McKay fazem, sim, uma modernização de arquétipos, não só na construção de um elenco diverso designado a papéis tradicionalmente masculinos e brancos, como também na contestação de narrativas como a do rei predestinado que ganha a adoração do seu povo no lugar da liderança pragmática (e, frequentemente, feminina) que os fez sobreviver e triunfar em batalha.
A graça da série, no entanto, é colocar essas subversões lado a lado com os aspectos considerados tradicionais de O Senhor dos Anéis e narrativas como ela, e nos mostrar que as duas coisas não só podem conviver na mesma história como, inclusive, parecem bem naturais juntas. Os Anéis de Poder, assim como a trilogia original e o gênero que ela moldou, tem heróis galantes e corajosos com dexteridade em combate (os feitos atléticos do elfo Arondir são um deleite de observar), coloca a chave de sua progressão narrativa em amizades e alianças improváveis, e celebra a força insuspeita que existe dentro daqueles que mais subestimamos.
A série do Prime Video prospera na missão de nos mostrar um mundo em que esses valores são honrados, e não moldados para se encaixar a uma visão ideológica estreita. A cooperação entre raças, a coragem altruísta diante do perigo (e as muitas formas que ela toma), a forma como as perdas que sofremos moldam a visão que temos de nós mesmos, e como a solidariedade e a gentileza daqueles ao nosso redor pode nos guiar para ajustar essa visão e aliviar essas feridas. O Senhor dos Anéis sempre foi sobre tudo isso, e Os Anéis de Poder também é.
Cheia de coração em seus diálogos melodramáticos e proféticos, em sua entrega irrestrita à grandiosidade dos destinos que balança em sua trama, a encarnação televisiva do universo de Tolkien chegou disposta a te lembrar dos prazeres de uma história bem contada. Vale a pena fechar o Twitter um pouquinho para ouvi-la.
Criado por: J.D. Payne, Patrick McKay
Duração: 2 temporadas