Quando escrevi sobre a segunda temporada de O Urso, tentei usar a analogia do preparo de um prato para falar sobre como a série mistura comédia, drama, lágrimas e surpresas para gerar uma explosão de sabores. Acho justo, então, que eu mantenha a ideia culinária para falar sobre a aguardadíssima terceira temporada da série. Nesse sentido, nada define tão bem o que Christopher Storer, Joanna Calo e a equipe criativa de O Urso prepararam quanto a experimentação.
É isso que pauta o inesquecível primeiro capítulo (“Tomorrow”) do novo ano, isso que define e atrapalha os primeiros meses de serviço do restaurante que dá nome à série, e isso que Storer parece confiante o suficiente para fazer sabendo que sua quarta temporada já está garantida, e filmada. O criador disse, no passado, que tinha uma história de três partes em mente para O Urso, mas a renovação já veio, e é difícil não enxergar os novos 10 episódios como a entrada de um grande jantar.
Uso essa expressão de forma relutante, porque isso faz a terceira temporada de O Urso soar como um daqueles filmes teen que dividia o último romance em duas partes no cinema. A comparação melhor é com os primeiros três ou quatro pratos de um cardápio de nove criações como aquele que Carmy (Jeremy Allen White, melhor do que nunca) construiu para The Bear na sua inauguração turbulenta, e que ele insiste em alterar diariamente para o desespero dos envolvidos na operação, em especial sua parceira de cozinha Sydney (Ayo Edeberi, também melhor do que nunca), o primo Richie (Ebon Moss-Bachrach) e, especialmente, o financiador desse sonho (ou loucura), Jimmy (Oliver Platt).
Essa decisão vem como parte de uma lista de fundamentos “não-negociáveis” para um restaurante vencedor de prêmios que Carmy monta ao longo de “Tomorrow”, que assim como toda a terceira parte da série, é o tipo de coisa que pode ser chamada de um “cheque-em-branco”. Storer e Calo têm liberdade total, como um chef no auge, para brincar com o formato e conteúdo de sua arte, e começam a fazê-lo com esse episódio inicial. Menos uma narrativa e mais um poema de memórias, é como se Terrence Malick dirigisse um episódio de O Urso. Nem tudo funciona — a música pode ser de Nine Inch Nails, mas depois de meia hora fica maçante — mas o passeio pelos anos e chefs (incluindo figuras reais como René Redzepi do Noma, Daniel Bouloud e a fictícia Andrea Terry de Olivia Colman, dando o tom para uma temporada que conclui com o Vingadores: Ultimato dos chefs reais e inventados) é hipnótico, ousado, criativo e único.
Todos esses adjetivos podem ser aplicados para a temporada inteira. Esse é um ano de transição que termina, literalmente, dizendo “Continua…”. É admirável e até louvável que exista uma série com tanta coragem de tentar, e ainda que esse estado transitório signifique que nem tudo funcione, que arcos pareçam cortados no meio ou que o ritmo nem sempre colabore, O Urso ainda é capaz de combinar seus vários ingredientes para criar um momento, ou até um capítulo inteiro, que nos arrepia. Este ano, “Napkins”, focado em Tina (Liza Colón-Zayas) vai arrancar lágrimas, especialmente em sua última cena, e “Ice Chips”, que traz de volta a mamãe-Berzatto de Jamie Lee Curtis para o lado de Natalie (Abby Elliott), prenderá sua atenção por cada segundo.
Em paralelo, não faltam coisas como “Next” e “Doors”, os episódios dois e três, para manter o estresse da temporada lá em cima, mas a maior ansiedade vem da clara incerteza na condução da narrativa. É até curioso como O Urso reflete seus personagens. Numa temporada sobre pessoas presas sem entender porque, se elas finalmente têm o restaurante badalado, a série que conquistou o mundo aparenta estar mais instável do que nunca. Quando Jon Bernthal foi apresentado como Mikey, ou Colman, Curtis e nomes como Bob Odenkirk, Sarah Paulson, Gillian Jacobs e John Mulaney surgiram como membros e amigos da família Bearzatto, essas não pareciam participações especiais, e sim atores que usavam a surpresa para enriquecer aquele mundo. Há algumas tentativas parecidas aqui (a do noivo da ex-esposa de Richie é fantástica), mas o sentimento é de alguém tentando recriar a magia do passado, e não fazendo por merecer.
Isso tudo vem da ausência de uma clara direção no centro da série. Como um todo, a terceira temporada de O Urso parece mais uma coleção de momentos, alguns melhores que outros. É claro, dado o nível dos atores, diretores e roteiristas envolvidos, ainda estamos falando de uma das melhores coisas em toda a televisão moderna, e mesmo quando dá para sentir Storer se esforçando para compensar os problemas (como numa longa conversa envolvendo chefs famosos reais no último episódio, que vira um grande discurso pedante), há uma escolha de enquadramento, de montagem, de texto ou de música que harmoniza tudo.
Num dos flashbacks de Carmy no restaurante onde ele trabalhava para o abusivo chef David Fields (Joel McHale), esse péssimo ser humano, mas brilhante cozinheiro, dá para seu então pupilo a missão de “subtrair” para melhorar. É um conselho que Storer precisa seguir na quarta, e possivelmente última, temporada de O Urso. Nessa terceira temporada, o cardápio ficou bagunçado demais. O tempero permanece lá, e ainda adoramos acompanhar Marcus (Lionel Boyce) criando sobremesas maravilhosas, Neil (Matty Matheson) e Richie gritando um com o outro, e é sempre um prazer ver como até coadjuvantes menores como Ebra (Edwin Lee Gibson) e Gary (Corey Hendrix) ganham seus momentos. Mas, assim como Carmy, essa série precisa reconhecer que às vezes, menos é mais. Às vezes, um prato mais limpo deixa cada elemento brilhar mais.
Criado por: Christopher Storer
Duração: 3 temporadas