Quando Adam Horowitz e Ed Kitsis anunciaram seu primeiro projeto solo após o final de Lost (onde eram parte do time principal de roteiristas), houve certa curiosidade a respeito de qual seria a temática desse trabalho. Adam e Ed escreveram bons episódios da série de Damon Lindelof e Carlton Cuse, e foram educados naquela maneira fragmentada de se organizar uma narrativa. Por isso, quando o tema revelou-se centrado em contos de fadas, a expectativa ficou do exato tamanho da dúvida.
Once Upon a Time tinha uma premissa ousada: Num universo de histórias fantásticas governado pela Evil Queen – a Rainha Má da história da Branca de Neve – uma série de personagens de várias histórias clássicas se encontravam, a Branca de Neve, inclusive, que na trama foi acordada pelo Príncipe (que ela já conhecia há bastante tempo, vale ressaltar), casando-se e tendo uma filha com ele logo depois. Furiosa com esse “final feliz”, a Rainha lançou uma maldição que levaria todos eles para uma “terra sem mágica”. Antecipando a desgraça, Branca de Neve e seu amado (que esqueceriam seus passados) enviam a filha para o nosso mundo antes da maldição e ela é criada entre nós sem saber quem é. A maldição leva todos para uma cidade no Maine, chamada Storybrooke, onde vivem presos num espaço-tempo enclausurado. O problema é que a filha da Branca de Neve teve um filho e ele acabou sendo adotado por ninguém menos que a Rainha Má. O menino sabe de tudo que aconteceu, indo resgatar a mãe verdadeira para tentar quebrar o feitiço.
A coisa toda parece bagunçada, mas na primeira temporada os criadores revelaram uma habilidade impressionante para costurarem as histórias perfeitamente. Eles mantinham elementos clássicos, tomavam liberdades e tudo funcionava direitinho. A estrutura era a mesma de Lost: os episódios mostravam a vida em Storybrooke entrecortada com os flashbacks de antes da maldição. Não demorou muito para que o público perdoasse os péssimos efeitos especiais e abraçasse os ótimos roteiros, que muitas vezes terminavam com nosso completo choque diante de conexões entre contos que faziam todo sentido.
Deixando Storybrooke
Durante os anos, a série acabou condenada pelo próprio sucesso. Encolhida numa zona de conforto da ABC, recebia encomendas de novas temporadas e conforme os contos clássicos iam acabando, os criadores começaram a recorrer até a histórias modernas. Muitos consideram esse o limite que não deveria ter sido atravessado, já que as storylines de Frozen, Valente, entre outras, foram apontadas como grandes pontos fracos dessa trajetória. Mesmo assim, a lição de sempre investir pesado nos fatores humanos de seus personagens foi aprendida nos brainstorms de Lost. Os personagens de Once Upon a Time ganharam motivações humanas muitíssimo bem estruturadas e isso fez com que eles se tornassem o grande trunfo do show.
Jennifer Morrison encabeçou o elenco e virou o rosto da divulgação. Ela tinha acabado de sair de House e era o rosto mais popular da época. Ficou com a missão mais ingrata, que era pegar a heroína pelo qual todos deviam torcer. Emma acabou engolida por Lana Parrilla, que logo transformou Regina na personagem mais amada da série. O processo de transformação da Evil Queen numa mulher captada pelo amor ao filho foi a única coisa que passou incólume por esses sete anos. Os vilões, em especial, tiveram suas sensibilidades expostas de formas muito espertas e terminaram por tomar conta de tudo. Robert Carlyle (Rumple) e Rebecca Mader (Zelena) são outros exemplos de antagonistas que conquistaram tanto o espectador que resistiram ao quase reboot que a série sofreu nessa sua última temporada.
A Rainha Boa
O último ano foi conturbado, como todos os que vieram depois da terceira temporada. Eram menos elementos, claro. Mas, a bagunça estava escondida na relva. Horowitz e Kitsis vieram com um imbróglio que reunia nova maldição, viagem no tempo, outras realidades - que inclusive tinham os mesmos personagens que víamos na realidade que já conhecíamos - mas com pequenas diferenças de trajetória... Nada demais, porém. A nova realidade foi a desculpa perfeita para colocar Regina, Hook e Rumple (os únicos que foram aproveitados para a temporada) num outro contexto, sem ferir o que já estava estabelecido. Ou seja: a vida em Storybrooke continuava normalmente e o que acompanhávamos era uma mistura de nova realidade com manipulação do tempo.
A storyline desse sétimo ano foi construída em cima de elementos clássicos e modernos, novamente. Ela veio muito cheia de recorrências lá do primeiro ano (com personagens novos praticamente repetindo os arquétipos dos personagens originais), mas com aqueles toques típicos do show, como uma Cinderela latina e um casal gay adorável formado por Alice (de Alice no País das Maravilhas) e Robin (filha de Robin Hood). Mesmo enfraquecida, Once Upon a Time ainda conseguia nos fazer torcer por personagens novos, mesmos que estivessem imersos naquele caldeirão de absurdos. Volta e meia um episódio muito esperto acabava surgindo e nos lembrando porque a série foi tão especial por tanto tempo.
Seu Series Finale – dividido em duas partes – foi a síntese de seus erros e acertos. Uma história confusa e mal organizada ocupou mais da metade da ação final, culminando com uma despedida coerente de um dos protagonistas. Tudo para que somente nos 10 minutos finais a narrativa voltasse a acessar suas emoções, dedicando esse tempo a celebrar não só tudo que a série representou durante esses anos, mas a celebrar seu maior êxito: transformar a Rainha Má no grande espelho e na grande lição “do final do livro”. Regina (em grande parte por conta do trabalho dedicado de Lana) será aquela de quem todos sentirão falta e foi aquela que fez o coração apertar um pouco quando sua história de violência convergiu numa história de superação, que é real. Em meio aos figurinos pesados e chroma-keys emporcalhados, o show sabia dizer o que precisava dizer.
Foi um final digno, emocional e despretensioso. Depois desses sete anos a série não alcançou notoriedade suficiente para gerar novos investimentos, mas passou por eles com provas de que sabia ser relevante e inteligente. Não acho que vá deixar saudades por enquanto, mas sem dúvida vai virar aquela história de ninar que acessamos com delicada nostalgia quando lembramos como era divertido fantasiar sobre a mágica do mundo. Once Upon a Time terminou a última página, mas sempre haverá alguém disposto a ouvir esse conto novamente. De novo e de novo, como a mais inocente das crianças.