Não dá para negar que há uma ousadia na decisão da Netflix de assumir tão explicitamente que o RBD coexiste no mesmo universo dos jovens do seu novo Rebelde. Seja pelo retorno de figuras conhecidas, como a agora diretora Celina Ferrer (Estefania Villarreal), seja pela vitrine no corredor com os uniformes clássicos, os discos de ouro e o memorável chapéu rosa da Mía Colucci (Anahí), o legado da novela e do sexteto é visível o tempo todo. Estimular a nostalgia do espectador já habituado aos elementos que tornaram Rebelde um sucesso é mais do que chamar a comparação: é correr o risco de se colocar à sombra do seu antecessor. É curioso, portanto, que o problema da nova versão não seja encontrar o equilíbrio entre homenagens e atualizações e criar algo novo, mas sim ter fôlego para desenvolver as tramas que se propõe.
O retorno à Elite Way School se dá no início de mais um ano letivo, quando uma nova leva de alunos sonhadores chega ao internato com instrumentos em mãos e determinação para compor o próximo hit das paradas do México. Os adolescentes vêm de todas as partes da América Latina -- um claro reconhecimento da extensão do significado que a marca Rebelde teve por aqui nos anos 2000 -- e, além de personalidades bastante distintas, encaram dramas familiares particulares. Enquanto há quem viva sob as amarras de pais religiosos ou ambiciosos, por exemplo, há quem não saiba que fim tiveram figuras importantes das suas vidas.
Não bastassem seus dilemas pessoais e os hormônios à flor da pele, duas outras sombras pairam por cima dos estudantes: a Batalha das Bandas, cuja vitória pode colocar seus nomes imediatamente no cenário musical; e a volta da temida Seita, organização secreta que quer expulsar bolsistas e quem mais não se encaixar nos seus preconceitos. É nesse cenário turbulento que Jana (Azul Guaita), M.J. (Andrea Chaparro), Andi (Selene), Esteban (Sergio Mayer Mori), Luka (Franco Masini) e Dixon (Jeronimo Cantillo) se conhecem e começam a criar parcerias e, claro, muitas inimizades.
Embora a manutenção dos pilares família, Seita e música preserve a identidade e o espírito da novela, o novo Rebelde é incapaz de disfarçar sua falta de traquejo para construir seus principais conflitos. Ao longo de toda a temporada, saltam aos olhos a quantidade de repetições de situações e linhas de diálogo inteiras, como se reiterar o que já está muito bem estabelecido desse conta de estender por episódios suas subtramas já bastante imediatas. Para piorar, esse deslize fica ainda mais evidente na edição que, por vezes sem muito cuidado ou pudor, coloca as “duplicatas” uma na sequência da outra. Quando a escassez de material não fica clara aí, ela transparece nas decisões sem muita lógica dos protagonistas: a história precisa avançar e isso basta para justificar o injustificável.
No fundo, a temporada só se sustenta por oito episódios porque alguns dos seus protagonistas são simplesmente ótimos. Mesmo que a Seita não tenha muita razão para existir, acompanhar o riquinho Sebas (Alejandro Puente) se descabelando para disfarçar suas más intenções, ou simplesmente tentando ser a estrela pop que acha que é, é divertidíssimo. Do mesmo modo, ver o nascimento do romance entre Andi e a brasileira Emília (Giovanna Grigio), os flertes com a vilania do Luka e a ascensão de M.J. são um deleite. É inegável: os personagens são bem construídos e, com sua inocência espirituosa, elevam a tosquice das resoluções e as deixam hipnotizantes. Rebelde não se torna plena, mas empolga o suficiente para que o espectador se importe com os jovens e avance para o próximo episódio.
Há de se elogiar ainda que a série, mesmo repleta de homenagens, é consciente de que seu público é outro, ou seja, ela não confia somente no conservadorismo da nostalgia. Ela entende a necessidade de fazer atualizações para estar em sintonia com o mundo e, assim, ser minimamente relevante. Por isso, mais do que incluir canções originais, tendências de moda mais atuais e uma cena (destoante) de sexo à la Elite, Rebelde faz algumas reparações importantes.
Enquanto sua antecessora sequer cogitava dialogar com pessoas LGBTQIA+, a nova versão reconhece a existência de variadas sexualidades e identidades de gênero já nos seus minutos iniciais. E mais: o discurso é efetivamente posto em prática, porque a série não define seus personagens com base somente nisso. Andi, por exemplo, é lésbica, mas é também destemida, estilosa, romântica, doce, má aluna e não exatamente chegada a figuras de autoridade. Sua orientação nunca é posta em questão. Na realidade, é tão aceita quanto qualquer outro dos seus traços. A naturalidade para tocar nesse tema -- embora, convenhamos, não seja nada mais do que representar a realidade como ela é --, torna Rebelde mais relacionável e acaba por oferecer também aos fãs antigos uma chance de se reconhecer em tela de outra forma.
Deste modo, por mais numerosas que sejam suas inconsistências, a nova versão encontra substância (e alguma redenção) na riqueza de seus personagens. Com a segunda temporada confirmada, Rebelde é oficialmente o novo drama que se odeia amar — ou se ama odiar.
Duração: 2 temporadas