Histórias de amor trágicas ficaram marcadas na nossa cultura desde quando Shakespeare achava bonito ter dois adolescentes cometendo suicídio porque não conseguiam ficar juntos. A resposta emocional das pessoas a esse tipo de drama é certa como o azul do céu e costuma se dividir em duas facetas: a que celebra a vitória do amor apesar das dificuldades e a que mostra que um final trágico pode ter sua grandiosidade. Embora o melodrama seja um gênero difícil de catalogar, uma de suas grandes características é essa mesmo, dedicar-se a arrancar lágrimas do espectador.
Vinte anos depois de Love Story: Uma História de Amor, um dos primeiros grandes títulos do melodrama romântico do cinema americano, um outro filme chegou e configurou a mudança que cristalizou a fórmula. Dying Young (Tudo por Amor, 1991) não foi tão bem com a crítica, mas o rosto sofrido de Julia Roberts ao som do clássico do Kenny G reverberou tão intensamente no mercado que a partir dali a “regra” se estabeleceu: nesse tipo de história o homem teria câncer e a mulher viveria com o legado daquela experiência. Títulos mais recentes como A Culpa é das Estrelas e Como Eu Era Antes de Você repetem a cartilha.
A vantagem de Recomeço sobre todo esse legado melodramático é que estamos falando de uma história real. É muito curioso ver como tudo soa como se fosse uma das cópias cinematográficas que se prendem a um estilo; quando, na verdade, aquela é mesmo a vida da autora Tembi Locke, que no início dos anos 2000 conheceu e se apaixonou por um italiano que mudou sua vida drasticamente. Apesar de ter mudado alguns nomes e profissões dos envolvidos, a base do que aconteceu com Tembi está ali, por mais cinematográfica que pareça, com direito a belas paisagens e grandes gestos românticos. A partir do ponto em que sabemos que tudo aconteceu, a torcida pela vitória do casal ganha outro sentido.
Do começo ao fim
Na minissérie da Netflix, Tembi se chama Amy (Zoe Saldaña) e enquanto Tembi na vida real está envolvida com o entretenimento, na minissérie Amy é artista plástica. Filha de uma família afro-americana texana e conservadora, Amy escapa da pressão para fazer direito e vai para a Itália passar algum tempo em um intercâmbio. Lá ela conhece, por acaso, o chef de cozinha Lino (Eugenio Mastrandrea), um siciliano apaixonado pela nova profissão e disposto a tudo para ficar com Amy, por quem se interessa imediatamente. Amy é uma mulher preta, americana, e isso antecipa que parte da responsabilidade da história é ampliar as implicações disso. Lino e ela têm tudo em comum... e nada em comum ao mesmo tempo.
Em seus 8 episódios, a minissérie equilibra muito bem esses dois pontos narrativos. Amy e Lino vão precisar fazer sacrifícios para ficarem juntos e isso inclui o choque cultural e geográfico. Na outra ponta, as sinopses já revelavam que uma vez vencida a barreira continental, Lino teria uma doença grave e isso colocaria o casal diante do maior obstáculo de todos: aquele do qual a vitória não dependia deles. O câncer do personagem põe tudo em perspectiva e saber dosar tantos elementos dramáticos e românticos sem pesar a mão não é coisa para amadores. Por sorte, os envolvidos em Recomeço são bastante profissionais.
Apesar do melodrama característico desse tipo de história, o texto da minissérie é sensato, elegante e resiste ao recurso fácil das emoções chapadas. Há uma preocupação em determinar de onde vem cada tensão, cada medo, mantendo em perspectiva que o drama só tem impacto quando tem escopo. Tudo que poderia afastar os dois está claro para o espectador; então, cada obstáculo faz sentido, tem substância. Os laços entre os personagens secundários também não são perdidos de vista, cuidando para que as vidas soem reais como a ideia original sugere.
Zoe e Eugenio foram a perfeita escolha de protagonistas e entregam o carisma essencial para fazer ideias como essa darem certo. Suas sequências apaixonadas ao som da trilha sonora cuidadosamente selecionada funcionam perfeitamente para quem chega até o catálogo procurando por romance. O resto do elenco é igualmente correto, com destaque para Lucia Sardo, que vive a sogra de Amy, e que lá bem pelo final faz uma dupla com Zoe que é encantadora.
Todos nós já sabemos como essa história vai terminar – e não me refiro ao trágico e sim ao otimismo. De certa forma, esse tipo de narrativa já clássica no cinema americano é também um canal de acesso aos que precisam de exemplos de superação de barreiras verdadeiramente difíceis. Se na ficção isso já oferece alento, saber que a história de Amy é a história de Tambi deixa tudo ainda mais inspirador. Recomeço é uma produção honesta, bem escrita e elegante, que está aí para comover. Ela cumpre esse papel com extrema dignidade e vai fazer bem a todos os que procurarem por ela. De fato, nada poderia ser mais adequado, já que essa é uma história sobre isso mesmo: dar chances.
Recomeço
Encerrada (2022- )
Criado por: Attica Locke e Tembi Locke
Duração: 1 temporada
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