Para aqueles que viveram a ascensão da música sertaneja nos anos 90, o mercado atual do gênero soa bastante diferente dos tempos de outrora. Logo no início daquela década, tudo era sobre ter duplas com cabelos gigantes e calças jeans muito apertadas. Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó... Os homens dominavam o cenário em duplas e isso permaneceu em pauta absoluta por muitos e muitos anos. Mesmo hoje – ainda que mais enfraquecido – o sistema ainda sustenta esse formato. A chegada das duplas e cantoras femininas como grandes forças mercadológicas é relativamente recente e teve em Marília Mendonça o seu grande e derradeiro impacto.
Nova série da Globoplay, Rensga Hits parte desse princípio de que, atualmente, a música sertaneja tem sido dominada pelas mulheres, tornando inevitável que a inspiração para levar uma história como essa ao ar seja o degrau construído pela própria Marília, estabelecendo a letra de amor – ou “sofrência” – até os corações de milhões de fãs ao redor do Brasil. Se as canções são quase narrativas completas do ponto de vista pessoal, faz todo sentido que essas situações fossem transpostas para a vida fictícia de alguns personagens. Era de se esperar que a energia de Rensga Hits fosse flertar com a superficialidade das narrativas cafonas; o que não é – considerando a gênese do conceito – exatamente um problema.
Tudo é uma questão de contexto. As letras do nosso sertanejo contemporâneo são quase sempre histórias narradas do ponto de vista da primeira ou da terceira pessoa. E são histórias mesmo, quase roteiros involuntários. E as letras das canções falam de que? Traições, intrigas e corações partidos; exatamente a mesma base criativa de onde vem quase todo folhetim televisivo através da história. Não é como se a série, então, tivesse aval para ser “intelectualizada” na tentativa de conquistar prestígio. Sua história precisa condizer com o que cantam seus personagens e isso explica e justifica a frouxidão notável de sua escrita.
É assim que conhecemos Raíssa Medeiros (Alice Wegmann), que abandona o noivo no altar após descobrir sua traição. Livre de amarras, ela pode perseguir o sonho que realmente importava para ela: ser uma cantora. A moça entra no carro e segue sem rumo, indo parar em Goiânia, berço do sertanejo, onde – é claro – tudo vai se abrir para recebê-la. A história de Rensga Hits se apoia em todas as recorrências de filmes em que um jovem talentoso sai de casa para perseguir seus sonhos. É literalmente um check list em tudo que compõe o núcleo clássico da teledramaturgia, incluindo parentescos perdidos, irmãs rivais e perda de memória.
Rensga
Como no bom e velho “conto de fadas hollywoodiano”, Raíssa chega em Goiânia sem eira nem beira, mas no espaço de duas cenas ela consegue emprego num bar onde pessoas cantam, e que é frequentado por todos que podem ajudá-la a trilhar o caminho da música. Melhor ainda: os novos parentescos descobertos por Raíssa incluem até mesmo uma irmã já famosa, a afetada Gláucia Figueira (Lorena Comparato), com quem ela cria uma imediata rivalidade. Rivalidade essa que se estende para as agências comandadas por Deborah Secco e Fabiana Karla, cada uma responsável pelas carreiras dos outros cantores que compõem o elenco da série.
A bifurcação do trabalho feito pelos criadores Carolina Alckmin e Denis Nielsen é perceptível desde o começo. A musicalidade, a trilha composta para dar voz aos personagens foi calculada perfeitamente. As letras têm o mesmo apelo que qualquer hit que você escute pela internet afora e o trabalho dos atores na defesa dessas canções é delicado e competente. Deborah Secco sofre um pouco para dar peso e idade para sua Marlene, mas começa a encontrar o tom lá pela metade do caminho. Fabiana Karla está mais confortável. Alice convence desde o primeiro instante, mas Comparato está um tom acima do necessário (problema, aliás, que a persegue em Cine Holliúdy, onde ela está 5 acima do resto inteiro do elenco).
É muito provável que o aspecto musical bem feito, inclusive, eclipse problemas como a falta de cenas externas na organização dos episódios, o que é lamentável, considerando que a grande vantagem da série é oferecer um vislumbre da região central do país, nada habitual na dramaturgia da Globo. Goiânia, infelizmente, é só um nome numa sequência de cenas que se limitam a poucos cenários internos.
Os roteiros têm uma preocupação em manter pautas sociais importantes, explorando de maneira interessante a noção de que o sertanejo é um gênero musical que não tem muita diversidade em seu séquito. Os episódios passam por questões como racismo, homossexualidade e marcam muito bem o papel da mulher nessa nova ordem de importância dentro desse segmento. A série consegue escapar do didatismo habitual na abordagem desses assuntos, mas começa a tropeçar na hora de levar adiante as tramas interpessoais que sustentam as suas bases.
Se Rensga Hits tem o melhor da tentativa de abordar o sertanejo moderno, ela também tem o pior da previsibilidade de uma novela ruim. As saídas encontradas para resolver tensões são cafonas e qualquer espectador consegue rastrear totalmente cada um dos próximos passos da trama. Contudo, mais uma vez, é tudo uma questão de contexto. A reunião de elementos que compõem a série não é das mais originais e preencheria uma coletânea dos sucessos mais batidos do mercado. Mas, o que algumas pessoas querem quando procuram por um Greatest Hits é exatamente o conforto de um grande sucesso. Isso, inegavelmente, Rensga Hits (que já foi renovada) vai te entregar.
Criado por: Carolina Alckmin e Denis Nielsen
