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Crítica

The Affair - 1ª Temporada | Crítica

Premiado drama do Showtime faz como seus personagens: escolhe o que vai contar e frustra expectativas.

29.01.2015, às 23H28.

Sarah Treem, uma das criadoras de The Affair, tem em seu currículo produções como House of Cards e In Treatment. Isso nos aponta numa direção específica: ela é uma roteirista basicamente textual, que gosta de lidar com aspectos internalistas de seus personagens. Por isso, quando pensamos na forma de avaliar sua mais nova criação, precisamos ter em mente que esse é um programa muito mais sobre o que sentir do que sobre ter o que se contar. De fato, a premissa de The Affair é muito simples, é apenas uma base por onde os criadores possam discorrer sobre as psiquês de seus personagens.

É uma história de traição daquelas bem típicas... O público brasileiro, inclusive, pode até fazer conexões consideradas pouco elegantes ao assumir a semelhança com Presença de Anita, adaptada por Manoel Carlos. Um escritor não muito bem sucedido, com uma esposa rica, filha de um pai dominador, que numa viagem com a família para um delicado paraíso, se envolve com uma mulher intensa e misteriosa. Não é um primor de originalidade no conteúdo, mas é aí que entram os ensinamentos da Terceira Era de Ouro da Televisão, quando tudo se tornou uma questão de forma. The Affair é uma história simples, contada de uma maneira substancial, que maximiza nosso interesse por ela apenas porque somos naturalmente fascinados pelo sexo e pela mentira.

Aumente um ponto

E se é uma questão de forma, temos que pensar a respeito dela, primordialmente. Na trama, Noah (Dominic West) conhece a garçonete Alisson (Ruth Wilson) e é a perspectiva deles para esse encontro que vai nortear a temporada  inteira. Como todo homem que se sente oprimido pelo mundo, Noah – também por ser escritor – tridimensiona qualquer impressão que tenha sobre qualquer coisa. Percebemos que quando a história é contada por ele, há hesitação na sedução e uma impressão mais obscena de Alisson. Já quando é ela que conta a história, seus medos ficam mais na superfície e a presença de Noah vira a de um homem que está lhe oferecendo algo do qual ela precisa muito: esquecer.

Em nenhum momento a série nos dá a resposta certa e esse é o maior charme do show. Na vida, só quem sabe de verdade como as coisas aconteceram são aqueles que passaram pelo acontecimento. Assim que ele ganha o mundo, vira um conto e quando é contado sempre aumenta-se um ponto. Esse é o maior trunfo da série, que consegue perfeitamente desvendar as personalidades dos protagonistas de acordo não com a forma com a qual eles se defendem, mas exatamente porque eles buscam defesa. Quando vemos Noah tentando fazer Alisson parecer vulgar, temos material suficiente para julgá-lo, da mesma forma que fazemos quando pela perspectiva de Alisson, ela trai por todas as razões do mundo, menos porque gosta de sentir prazer.

Em volta desse jogo de impressões temos os coadjuvantes de ambos os lados, que sofrem as chibatadas de seus “autores”. Sim, porque Noah e Alisson são como autores do mesmo livro, brigando para ver quem tem mais domínio de criação. Cole (Joshua Jackson) e Helen (Maura Tierney) são os cônjuges traídos, que embora sejam retratados como pessoas dispostas a aparar as pontas soltas de suas relações, também soam alheios a uma compreensão exata do que passam seus respectivos amados. É aquela história... Noah e Alisson ensaiam a argumentação de que não são compreendidos em seus tormentos e que isso os aproxima. Ou seja, no que diz respeito ao aspecto humano, The Affair tem tanta substância que realmente seria capaz de sobreviver por algum tempo sem artifícios oportunistas. O problema é que os criadores se disseram capazes de levar o show por cinco temporadas e precisavam de um fator cliffhanger para manter nosso interesse. Talvez tenha sido esse o erro.

Traídos

Se comecei esse texto usando uma referência de gosto questionável, agora usarei uma que acalmará os mais puristas. Já estabelecemos que The Affair não busca originalidade no conteúdo e sim na forma, por isso, a colcha de retalhos que dá consistência a seu estilo não vê problemas em invocar outras produções. Sua narrativa entrecortada pela execução de um crime nos remete ao mundo de Damages e suas múltiplas perspectivas. O problema é quando a série resolve homenagear The Killing e segura seu maior segredo num Season Finale que parece realmente um marido adúltero: faz milhões de promessas e não cumpre nenhuma.

Na buca por um clímax, o último episódio da temporada chegou ao apogeu da narrativa bifurcada e fez com que a mesma história contada por Noah e Alisson tivesse diferenças tão grandes, que o compromisso com a sutileza foi pro ralo e a busca pela verdade dos fatos acabou tornando-se necessária. Até esse ponto pouco nos importava quem dizia a verdade ou não, mas, depois daqui, o minimalismo humano deu lugar a grande eloquência das viradas novelescas e saber o que realmente aconteceu se transformou num anseio natural e que é de direito do espectador. Se até mesmo em The Killing (em que o crime era o centro de tudo) foi difícil aceitar um season finale sem respostas, imagine em uma série na qual o “quem matou” é completamente secundário o tempo todo? Mas, escute... Se é secundário porque te incomoda não saber o que aconteceu? Porque eles me fizeram acreditar que não era o mais importante, mas, ao negar a revelação no momento derradeiro, estão me enviando outra mensagem: olha, isso aqui é que é importante e você vai ter que voltar ano que vem pra saber. De fato, quem matou o irmão quase mudo de Cole nunca fez, para mim, a menor diferença.

Esse detalhe acabou eclipsando a qualidade do show... Ele tinha uma identidade muito sólida, voltada para aspectos puramente psicológicos, e de súbito, virou um thriller deformado, com armas, socos e prisões repentinas. Vislumbrar um futuro de mais quatro anos parece ainda mais difícil, visto que belas atuações e linda fotografia não podem segurar um programa por muito tempo. The Affair está cometendo os mesmos pecados de seus personagens: está editando os fatos de uma forma em que pareça que ela é heroica, quando na verdade é apenas insegura.

Nota do Crítico
Bom
The Affair
Encerrada (2014-2019)
The Affair
Encerrada (2014-2019)

Criado por: Hagai Levi, Sarah Treem

Duração: 5 temporadas

Onde assistir:
Oferecido por

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