The Dropout equilibra comédia e horror em retrato cruel da cultura empreendedora

Créditos da imagem: Amanda Seyfried em cena de The Dropout (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

The Dropout equilibra comédia e horror em retrato cruel da cultura empreendedora

Amanda Seyfried ajuda série a não parecer repetitiva em ano de Inventando Anna

Omelete
4 min de leitura
07.04.2022, às 16H51.

Se você escolhe se esquecer de algumas coisas, isso é o mesmo que mentir?, pergunta Elizabeth Holmes (Amanda Seyfried) para a mãe, Noel (Elizabeth Marvel), em uma cena particularmente brilhante do episódio final de The Dropout, minissérie lançada no Brasil pelo Star+. Observar como os capítulos anteriores nos conduzem até este momento, até a realização de que Elizabeth genuinamente não sabe a resposta para essa pergunta, até a constatação de que a cultura contemporânea a incentiva a não saber, a continuar fugindo da realidade em troca de uma ficção, é o testemunho do grande trabalho da roteirista Elizabeth Meriwether na condução da narrativa.

The Dropout adapta o podcast de mesmo nome, conduzido pela jornalista Rebecca Jarvis, que por sua vez desvenda a história inacreditavelmente real de Holmes. Após desistir de um curso de engenharia química em Harvard, ela fundou a startup Theranos, baseada em um produto revolucionário: uma máquina capaz de realizar testes para várias doenças a partir de uma única gota de sangue. O problema é que a Theranos nunca de fato desenvolveu uma versão funcional dessa máquina - e, mesmo assim, acumulou um valor de mercado de bilhões de dólares e um contrato lucrativo com a Walgreens, a maior rede de farmácias americana.

Nas mãos de Meriwether, a história de Holmes começa como uma sátira amarga da cultura empreendedora americana, usando espertamente marcadores culturais da época em que a trama se desenrola (entre o fim dos anos 2000 e início dos anos 2010) para sublinhar a transformação rápida que startups como a Theranos causaram na forma de fazer negócios no país. Para esses propósitos, a empresa fraudulenta de Holmes é representativa de toda a comunidade do Vale do Silício, região na Califórnia que ficou famosa por abrigar as maiores empresas de tecnologia do mundo.

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The Dropout postula, essencialmente, que Holmes só prosperou em sua mentira porque era (ou se tornou, com o tempo) fluente na linguagem do engodo empreendedor. No coração da minissérie, episódios como “Old White Men” (1x04) mostram de forma penetrante como ela navegou seus anos à frente da Theranos manipulando o medo paralisante que o establishment sente de ser deixado para trás. Ela se vendia como a face amigável da inovação, a ponte entre o tradicional e o novo, a mulher capaz de trazer os dinossauros do empresariado americano para uma nova era. É cômico como ela faz todos que duvidam dela dobrarem-se à sua vontade… até que se torna apenas trágico.

É aí que a série opera sua grande virada, se transformando em um conto de horror conforme Holmes leva cada vez mais longe a caricatura de CEO que passou a definir sua vida, e a aplicação da tecnologia falsa da Theranos nas lojas da Walgreens passa a ter consequências nas vidas dos pacientes. Em essência, The Dropout consegue conjugar os dois mundos que convivem dentro de toda sátira: a graça absurdista de sua aproximação fiel demais da realidade e a tragédia sufocante do quão… bom, fiel à realidade ela é. É desesperador, enlouquecedor que isso tenha acontecido de verdade - e que nada na nossa cultura tenha mudado tanto assim a ponto de impedir que aconteça novamente.

O trio de diretores Michael Showalter (recém-saído de trabalho similar em Os Olhos de Tammy Faye), Francesa Gregorini (Killing Eve) e Erica Watson (Snowpiercer) brilha ao encontrar o cerne de tensão de cada cena, de cada interação de Holmes com seus investidores, empregados, familiares ou detratores; e coadjuvantes como Naveen Andrews, Michaela Watkins, LisaGay Hamilton e Laurie Metcalf dão substância imprescindível a um mundo de trapaceiros, trapaceados e pessoas que simplesmente querem descobrir a verdade. Mas The Dropout vive e morre, mesmo, por sua protagonista.

Ao construir sua Elizabeth Holmes, Amanda Seyfried mostra que a metamorfose de estrela teen a atriz indicada ao Oscar (por Mank) não foi golpe de sorte. Ela expressa com inteligência aguda a pilha de nervos sobre a qual a fundadora da Theranos vivia constantemente, a armadura densa de negação que ela usava para conseguir existir como parte de uma geração que cresceu ouvindo que, caso sua missão de vida não fosse mudar o mundo, qual era o ponto de continuar vivendo? O engessamento progressivo das emoções de Holmes é fascinante, mas também profundamente triste, quando retratado com os requintes de angústia existencial que Seyfried aplica a ele.

Daí que, mesmo em ano de Inventando Anna (uma série muito semelhante na superfície), The Dropout se sustenta como obra vital. Enquanto a produção da Netflix estrelada por Julia Garner mostrava uma mulher mentindo para tentar encontrar algo real em um mundo que sente verdadeira aversão à realidade, a do Star+ mostra o outro lado da moeda: Elizabeth Holmes mentia para esquecer do real, e para fazer quem quer que acreditasse nela esquecer também. É assustador que ela tenha conseguido convencer tanta gente por tanto tempo.

Nota do Crítico
Ótimo
The Dropout
Encerrada (2022-2022)
The Dropout
Encerrada (2022-2022)

Criado por: Elizabeth Meriwether

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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