Pela premissa ousada e afiada, The Purge é uma das franquias de horror mais originais do terror moderno, mas também é uma que nunca atingiu todo o seu potencial. Não é por falta de tentativas, já que conta com quatro filmes. Mesmo assim o criador James DeMonaco não desistiu e, na segunda temporada da série de TV, enfim acertou em cheio.
Muito do que faz a saga soar restrita nos cinemas é o pouco espaço para comportar tudo que tem a dizer. Duas horas não são o suficiente para ilustrar esse universo doentio e disfuncional, capaz de permitir homícidio como forma de controle populacional e extermínio das classes baixas. Na televisão, por outro lado, DeMonaco ganha dez horas e diversos núcleos de personagem, formato que se torna ainda mais acertado quando decide ir além dos longas e explorar os outros 364 dias que cercam a Noite de Crime. Dessa forma o programa enfim discute os efeitos que o Expurgo têm na sociedade. Essa abordagem dá humanidade à trama, ao mostrar que um dia de violência gratuita tem sequelas duradouras, seja pelo trauma, pelo ressentimento ou pelo prazer sadistico que as pessoas sentem ao colocar seus “demônios” para fora desta forma.
Os novos personagens também são melhor desenvolvidos do que os que vieram antes. Dessa vez eles não só servem funções narrativas, como têm motivações próprias e arcos bem definidos. Esme (Paola Nuñez) é uma agente da NFFA que, após a estranha morte de uma conhecida, começa a suspeitar que o sistema tem formas sujas de se manter funcionando. Já Ben (Joel Allen) é um jovem de universidade que é exposto à violência do Expurgo e desenvolve gosto pelo assassinato; o médico Marcus (Derek Luke) precisa investigar quem colocou sua cabeça à prêmio depois de sofrer uma tentativa de assassinato; e, por fim, o ex-policial Ryan Grant (Max Martini) enfrenta as burocracias da lei ao ter sua equipe pega em roubo à banco após o fim da Noite de Crime.
Cada arco não serve apenas para examinar um lado da sociedade, como fez o ano um, mas também traz tons diferentes ao seriado. As tramas de Ryan e Esme funcionam como um thriller policial, na luta contra o sistema e o poder político dos grupos que lucram a partir dele. Já Ben e Marcus vão mais para o lado do suspense, e exploram como o Expurgo muda profundamente suas vítimas e participantes. A subtrama do jovem universitário talvez seja a mais interessante e pontual, ao traçar paralelos no descobrimento violento do garoto com as técnicas de radicalização da extrema-direita norte-americana, que se aproveita de vulnerabilidades para criar guerra ideológica e potenciais terroristas. Se o objetivo de DeMonaco é despertar comparações entre o mundo atual e sua versão distorcida, ele enfim consegue, ainda que frequentemente coloque isso no texto sem sutileza alguma. O argumento continua não sendo dos mais profundos, mas pelo menos a demonstração é mais ampla e menos óbvia.
A primeira temporada é um ótimo esforço em termos de roteiro, mas fica presa em uma produção medíocre. Por sorte tudo melhora na sequência. É visível que o USA Network, canal por trás do seriado, aumentou o investimento e largou a estética amadora em prol de algo mais profissional, da fotografia às atuações. A ação também não deixa a desejar, especialmente nos capítulos finais, que conduzem grandes cenas de confrontos armados com boa e divertida direção. Ainda não está no alto nível de acabamento estético dos filmes, mas é um grande passo na direção certa.
James DeMonaco enfim acerta em como conduzir sua tão cobiçada crítica social, ainda que um pouco rasa e muito dependente de flashbacks para provar seus pontos. A melhora na produção também garante bom equilíbrio entre o texto afiado e a ação de filme-b, com personagens interessantes, viradas satisfatórias e a dose certa de sanguinolência. Ainda não é certo se haverá um terceiro ano, mas a segunda temporada prova que o lugar onde The Purge melhor funciona é a televisão.
No Brasil, The Purge é transmitida pela Amazon Prime Video
Criado por: James DeMonaco
Duração: 2 temporadas