Até meados da primeira década dos anos 2000, o cinema hollywoodiano se divulgava a partir do astro que estampava seu pôster. O nome de uma estrela era mais importante que qualquer outro aspecto da obra e muitas vezes ele representava também um mesmo tipo de filme. Bruce Willis era o cara da ação, Julia Roberts era a moça dos romances, assim como um dia Marilyn Monroe foi a ingênua sexualizada retratada como uma boba. O nome de um ator ou atriz chegava na frente, era supervalorizado e considerado uma alternativa segura nas bilheterias. Se o seu roteiro não é tão bom assim, talvez o nome de um fenômeno te ajude a sair da zona de perigo.
Harry e Jack Williams foram produtores de um dos maiores sucessos do mundo seriado: Fleabag. Eles não escreviam a série, mas sabemos que a produção executiva de um seriado pode interferir nos seus rumos ou mesmo contribuir para sua identidade narrativa e visual. O trabalho dos Williams em Fleabag, contudo, não ecoa diretamente em The Tourist. De fato, embora eles não tenham se envolvido com outro trabalho de Phoebe Waller-Bridge, a escrita de The Tourist está muito mais próxima de Killing Eve (no qual ela se envolveu por um ano).
Alguns subgêneros do cinema são mais passíveis da escravidão dramatúrgica. O da ação é um deles. Embora The Tourist esteja coberta do verniz da HBO, ela pouco se distancia do que vimos em muitos longas de Bruce Willis, Arnold, Stallone, Cruise e tantos outros... Essencialmente, um homem perseguido, sempre escapando da morte, com um vilão robotizado e psicótico em sua cola, recebendo ajuda de uma personagem feminina que cruza seu caminho por acaso e rivalizando com um antagonista que sempre precisa ter um sotaque. Está tudo lá e tudo bem por isso... A questão é não se levar a sério demais.
A trama acompanha o conflito de The Man (Jamie Dornan), que acorda depois de um acidente sem nem saber o próprio nome. O título da série tenta implicar a ideia de que aquele era simplesmente um turista que de repente se viu envolvido numa trama policial. Mas, isso não se imprime nos episódios. O tal The Man soa suspeito desde o começo e logo que começam a aparecer as pessoas que querem matá-lo, essa provocação do título vai soando ainda mais descontextualizada. Como esperado, The Man consegue a ajuda da policial Helen (Danielle Macdonald), é enganado pela sensual Luci (Shalom Brune), é perseguido pelo capanga sem alma Billy (Ólafur Darri) e o homem por trás disso tudo é o estrangeiro Kostas (Alex Dimitriades). Tudo conforme manda o figurino.
Turismo Desperdiçado
Os caminhos percorridos pelo enredo de The Tourist não são nem meramente originais, mas funcionam aos propósitos do fã do gênero. O protagonista segue as pistas para entender o passado, a policial ingênua que sofre numa relação tóxica se redescobre enquanto investiga o estranho, o capanga sem alma vai entrar atirando em residências (mas não vai atirar de cara nos personagens que não podem morrer ainda)... É possível saber exatamente para onde a história vai e até o recurso do entorpecente para abrir espaço lúdico na direção está lá.
Contudo, é claro que Jack e Harry já sabem disso e os acontecimentos podem ser somente uma desculpa para falar do que eles querem realmente falar. The Tourist - ali naquele lugar meio Killing Eve, meio Fargo, meio todas as séries da HBO que mostram crimes sendo desvendados episódio a episódio – busca sua identidade em traumas pautados em eixos totalmente descolados da narrativa principal. Em apenas 6 episódios, entretanto, os criadores não têm tempo de sair da superfície. Ainda assim, Helen, que está atolada numa relação com um homem que a humilha todos os dias, se destaca como a melhor personagem, a ponto de soar como suficiente até para segurar a série sozinha.
É evidente que Jamie foi chamado para ocupar aquela posição de astro agregador de audiência. Mas, ele se esforça, se dedica e entrega uma atuação honesta. A presença dele não é sexualizada, não é celebrada por conta de atributos físicos, e quando chegamos à resolução do mistério, aqueles traumas pautados em eixos descolados da narrativa principal aparecem novamente, para o bem da trama e da atuação do moço. Nenhuma das revelações é sensacional, mas grande parte delas é coerente. Ao final da temporada não fica nenhuma ponta solta, e a escolha de liberar uma pequena dose de otimismo foi acertada.
The Tourist não é uma grande produção, não será inesquecível e muito menos marcará história entre as produções do gênero. Mas, será que o mais do mesmo não é exatamente o que um fã de Willis, Cruise, Stallone, quer? A diversão também é parte do mais puro ato de reconhecimento.
The Tourist
Criado por: Jack Williams e Harry Williams
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