The Umbrella Academy nunca foi uma grande série. Bem resolvida e competente de um ponto de vista técnico, sim, ainda que naquele padrão Netflix de se refugiar no médio enquanto espalha flashes controlados de criatividade e excentricidade pelo caminho, tentando assim convencer o público de que suas produções existem fora de uma certa curva de mediocridade segura. Mas excepcional, a The Umbrella Academy das infinitas repetições narrativas e dos arcos fraturados de personagem, das inúmeras subtramas sem carisma nem ponto, da mitologia inconsistente e dos atalhos de trama inexplicáveis? Não vamos forçar o carisma, pessoal - e eu digo isso, também, como fã.
Veja bem: uma das grandes verdades não ditas do discurso sobre cultura pop, e especialmente da crítica, é que nem sempre as histórias que mais vão te marcar são as mais excelentes - e está tudo bem quando não são. Em meio à binaridade boba, por mais utilitária que seja, das notas e vereditos, não se pode perder de vista que a conexão de cada um com uma narrativa é pessoal e intransferível, e que (quase) todo esforço artístico carrega algum grão de verdade emocional, de insight humano, que pode e vai reverberar em alguma pessoa que o consumir. No fim das contas, a verdade da arte não é tão simples quanto os ovos preenchidos ou vazios lá no rodapé da crítica.
Dizer que The Umbrella Academy nunca foi brilhante, portanto, não invalida o fato de que havia algo nela. A saga de um bando desajustado de jovens superpoderosos, traumatizados pela infância com um pai adotivo frio e exigente, mergulhados no caos de vários apocalipses seguidos, mas incapazes de olhar para além do próprio umbigo, tocava em um sentimento de inaptidão que é emblemático da condição humana. De certa forma, essa história só podia ter vindo da mente de Gerard Way (autor dos quadrinhos originais de Umbrella, ao lado do brasileiro Gabriel Bá), que antes de virar autor de HQs encarnou, com o seu My Chemical Romance, o movimento musical que melhor traduziu esse desajuste para a juventude desafetada e auto-irônica do início do século XXI.
Como o emocore, no entanto, The Umbrella Academy ia mais fundo. O verdadeiro triunfo dessa história estava em suportar uma dualidade insuportável: enquanto simulava a pose cool de seu público-alvo, ela também desvelava o cabo de guerra eterno e angustiante entre superação e rendição aos próprios demônios onde viviam seus personagens. Do impulso de morte no qual o imortal Klaus (Robert Sheehan) pautava seu vício, passando pela autossuficiência que gritava por validação em Viktor (Elliott Page), e chegando aos delírios de sacrifício do gigante gentil Luther (Toom Hooper), os Hargreeves se empoleiravam entre o ordinário e o extraordinário, entre o que o trauma os tornou e o que eles queriam ser (e na dúvida se eles sabiam mesmo o que queriam ser).
É desse limiar cheio de potência dramática que a quarta e última temporada da série colhe os seus momentos mais interessantes. Seis anos depois de se transferirem para uma realidade onde não têm mais poderes, os irmãos encontraram vidas para si - vidas pintadas em tons familiares de arrependimento, fracasso e irritação, mas também toques sutis de comunidade, acolhimento, segurança… enfim, vidas normais, com as quais eles demonstram satisfações e insatisfações normais. Isso, é claro, até mais um cenário apocalíptico entrar no caminho. É um padrão narrativo familiar, mas aqui ele se mostra mais cortante por levar os Hargreeves a questionar de forma definitiva, um por um, se querem ou não ser os salvadores que o pai postiço que tanto odeiam os obrigou a ser.
Esse giro final no carrossel do apocalipse não é perfeito, é claro. Com pressa para finalizar a história dos seus protagonistas, os roteiristas comandados por Steve Blackman e Jeremy Slater criam a temporada mais loucamente inconsistente, do ponto de vista do plot, que Umbrella já teve. Poderes são ajustados e reajustados de acordo com a ocasião, personagens são chutados para escanteio em subtramas que não levam a lugar nenhum (e nem trazem grandes desenvolvimentos em suas relações), explicações absurdas de última hora são entregues em monotom entediado pelo elenco. E é claro que o aperto para chegar ao final também é financeiro, e o investimento limitado da Netflix gera uma temporada de poucas - e pouco impressionantes - cenas de ação.
Por outro lado, o corte no número de episódios (são seis, ao invés dos 10 usuais) limita um dos piores instintos de Umbrella, que tem voltas limitadas para dar em torno de si mesma antes de encarar o clímax. O resultado é que a pergunta mais urgente está sempre ali, assombrando os personagens, e eles não podem negá-la por muito tempo: no fim das contas, você quer ser excepcional, ou quer ter uma vida? Para The Umbrella Academy, não dá para escolher os dois - e há uma clareza narrativa inegável em como Blackman e Slater centraram esse dilema nos seus episódios derradeiros. Essa precisão temática é o que dá energia renovada para a série, mesmo quando ela chega mancando à linha de chegada… até porque há algo de metalinguístico aqui, também.
Como os Hargreeves, The Umbrella Academy funcionava muito melhor quando admitia que não era especial, uma grande história de fantasia com um universo detalhado e envolvente, e se concentrava no que sabia fazer bem: conversar conosco através de seus personagens. Como os Hargreeves, no entanto, a série também teimava em querer ser algo a mais, e só fazia atrapalhar a si mesma nesse caminho - o que não significa, é claro, que vamos deixar de sentir falta dela.
Criado por: Steve Blackman, Jeremy Slater
Duração: 4 temporadas