[Contém spoilers de The Undoing.
Se você prefere não saber nada do desfecho, confira nossas primeiras impressões sem spoilers]
No último episódio de The Undoing, a personagem de Grace (Nicole Kidman) sobe ao tribunal e explica ao júri o conceito de “viés de confirmação”, a tendência de procurar informações que não contradigam crenças já estabelecidas. No julgamento, a personagem é questionada sobre a visão que tem sobre seu próprio marido, o Dr. Jonathan Frazer (Hugh Grant), acusado de assassinato. Em sua réplica, Grace entrega a temática da série, que passou seis episódios analisando a vida de um casal perfeito e desmascarando a vida desconhecida do marido por trás das aparências.
Até o julgamento, a série não havia nos confirmado o real culpado pelo crime do primeiro episódio, entregando apenas pistas e desviando a trama para diversos desfechos diferentes. Mas a diretora Susanne Bier construiu um cenário que engana seu público de modo reverso à maioria das séries investigativas: apesar das evidências, Jonathan parecia tão inocente que nos vimos procurando pistas que nos levassem a absolvê-lo e encontrar outro culpado.
Por isso é tão frustrante que The Undoing tenha recebido críticas por um final supostamente decepcionante. Logo após a transmissão do episódio final, fãs foram às redes desapontados com a conclusão de que quem mais parecia culpado era, realmente, o culpado. Essa insatisfação só demonstra quão perfeitamente Bier construiu sua trama. A todo momento as evidências apontavam para o Dr. Frazer, mas nosso viés de confirmação - que não permitiria condenar um personagem tão carismático, retratado tão bem por um ator tão querido - nos levou à coleta de evidências que apontavam para qualquer outro lugar.
A conclusão de The Undoing, no entanto, nunca pretendeu ser surpreendente, e a série se desenvolveu não como uma trama investigativa, mas como um drama focado na dificuldade humana de desconstruir dogmas e expectativas. Não à toa, a série é baseada no livro de Jean Hanff Korelitz chamado You Should Have Known, e ganhou o subtítulo em português de Já Devias Saber. A jornada de Grace, junto ao público, nunca foi de descobrir ou não a culpa de Jonathan, mas de encarar a realidade de algo que já sabiamos ser verdade.
Dito isso, vale ressaltar que o final de The Undoing tem, sim, seus problemas, talvez exatamente porque tentou compensar um final (por definição) anticlimático com um clímax grandioso. Colocado frente a um veredito de culpa inevitável, Jonathan sequestra seu filho, resultando em uma perseguição final de grande orçamento com carros em alta velocidade e helicópteros. Todo esse exagero, apesar de incômodo por contrastar com uma série tão contida, tem seus méritos também. A sequência final deu a Grant uma possibilidade de soltar as rédeas do comportamento psicopata e brilhar como nunca antes, se sobressaindo em um elenco já perfeito. Nessa jornada, além de atuações certeiras de Kidman e Donald Sutherland, Noah Jupe também se destacou como uma jovem estrela do drama.
Há quem insista que The Undoing tentou ludibriar seu espectador e desviar sua atenção para tramas que no fim não tinham propósito, mas a série trilhou um caminho bem definido desde o começo e nunca pretendeu ser algo que não é. Enquanto nos distraímos com outras possibilidades apresentadas, Jonathan se justificava e interpretava um homem injustiçado perfeitamente condizente com a psicopatia, o que por fim o torna tão real. Já acostumada a retratar a tragédia dos privilegiados, a HBO soube muito bem entregar nas mãos de Bier o desenrolar de um mistério óbvio, que não apenas se construiu em ótimas performances, como deu a 2020 uma de suas melhores produções.
Duração: 1 temporada