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Crítica

UnREAL - 3ª Temporada | Crítica

Terceira temporada confirma que a maior força e o maior problema de UnReal estão em suas protagonistas

02.05.2018, às 13H03.

Pode parecer estranho, mas UnReal e séries de fantasia têm uma coisa em comum: limites flexíveis demais. Em séries de super-herois, por exemplo, embora tudo comece sob controle, logo os roteiros caem no erro de fazer todo e qualquer episódio ser um episódio em que o mundo pode acabar ou o protagonista pode morrer. E nós sabemos que não acontecerá nem uma coisa e nem outra. A morte perde o valor de impacto e o drama soa desnecessário. Quando os limites não são estabelecidos e respeitados, tudo pode acontecer e exatamente por isso, nada que acontece realmente nos impressiona.

A segunda temporada de UnReal foi problemática justamente porque perdeu o compromisso – vejam só – com a realidade. Quando estreou, a série surpreendeu e chamou a atenção porque mostrava os bastidores de um reality que não se comprometia com ser verdadeiro, mas que preservava o mínimo de verdade. Quando começou a transbordar exagero (chegando ao extremo de provocar mortes deliberadas por parte da equipe da competição), UnReal perdeu sutileza, impacto e verossimilhança. Virou uma “série de fantasia” que só estava interessada em chocar.

O terceiro ano viria como uma chance de consertar as coisas. Dessa vez temos uma solteira, a voluntariosa Serena (Caitlin Fitzgerald), que por ser mulher, sinaliza um interesse do roteiro em levantar importantes questões de gênero que estão diretamente ligadas à essência do The Bachelor (equivalente real do Everlasting). Sarah Gertrude Shapiro, criadora da série, trabalhou na produção da competição e sabe como eram tratadas as mulheres no programa. Uma solteira inteligente e incisiva abriria importantes debates sobre empoderamento.

Spirilling

A estreia dessa terceira temporada mostrou que a decisão de ter uma solteira como protagonista do Everlasting tinha sido boa, mas também mostrou que UnReal tem outro problema bem maior: a relação entre suas verdadeiras protagonistas, Quinn (Constance Zimmer) e Rachel (Shiri Appleby). Pela terceira vez seguida, encontramos as duas nos mesmos lugares a cada novo ciclo. Quinn não decidindo se ama Rachel ou a despreza, se ama Chet ou o despreza, se ama o próprio trabalho ou o despreza... E Rachel dizendo sempre que tem todos os motivos do mundo para não voltar ao Everlasting, mas voltando, carregada de argumentos fajutos que já cansaram os outros personagens e também os espectadores.

O caminho que ela e Quinn percorrem não tem nada de novo a oferecer. Já sabemos que nem uma e nem a outra vão tomar decisões diferentes das que já tomaram antes e os roteiros chegam ao ponto de insistirem em minicompetições envolvendo sexo como forma de estabelecer poder. As personagens já passaram por esses lugares antes. Já passaram, saíram e voltaram a ele; e o texto continua tratando essas decisões primitivas como grandes e complexos movimentos dramatúrgicos. Às vezes, parece que UnReal está andando em círculos no que diz respeito a seu maior trunfo.

Porém, quanto ao Everlasting, o resultado das arestas aparadas foi bem positivo. O programa sempre é a melhor parte da série e ver como ele funciona ajuda a nos distrair dos equívocos cometidos nas relações interpessoais. Havia um time de rapazes muito interessante nessa temporada e Serena fez algumas das obviedades ganharem um novo olhar por conta de sua postura mais argumentativa, inquisidora, mesmo que a criadora da atração sempre se preocupe em dar a ela um pouco da mesma amoralidade que já acometia os dois solteiros anteriores. Muitas vezes UnReal parece tentar fazer com que as mulheres só sejam fortes quando seus comportamentos se tornam inconsequentes como os dos homens. Isso poderia ser questionável se a intenção não fosse justamente revelar uma acachapante igualdade moral entre gêneros.

UnRealistic

Reality shows sofrem todos da mesma síndrome: a da desconfiança generalizada. Até aquele espectador mais assíduo não resiste a compartilhar a teoria da conspiração que reafirma a taxa zero de realidade dentro de programas que são supostamente reais. UnReal confirma que a taxa de realidade não é zero. Na primeira temporada, o solteiro da vez elimina aquela que os produtores consideravam a “vilã” e eles entram em pânico. Nesse terceiro ano, embora Rachel e Quinn façam de tudo para guiar os passos de Serena, existe uma margem de segurança mínima que respeita as decisões da participante. E em quase todos os reality shows é assim: os produtores estão ali para manipular, mas o livre-arbítrio do competidor fica intacto. Ele diz o que quer dizer, faz o que quer fazer e decide sozinho como vai digerir as tendenciosidades dos donos do programa.

A série terminou suas filmagens da terceira temporada sem saber se haveria uma quarta. Sarah decidiu encerrar a temporada de uma forma que pudesse ser encarada como um ponto final e com isso, terminamos a jornada de Serena com uma das melhores decisões tomadas por um solteiro desde que Everlasting começou para nós. E ela tem a ver com isso mesmo: livre-arbítrio. Porém, achando que talvez fosse o fim, a criadora encerrou o destino de Quinn e Rachel com determinâncias que serão abaladas na próxima temporada (anunciada logo depois). Uma promo do ano quatro (já sendo filmado e diminuído em dois episódios) foi exibida logo depois da finale e com isso sabemos que Rachel pode acabar retomando seu cansado conflito de “esse programa faz mal para mim”, o que será frustrante, inevitavelmente.

Enfim, a única chance de fugir dessa armadilha existencial é se não houver mais preocupação com ela. Talvez UnReal precise mesmo é de suas protagonistas abraçando de vez o lado sombrio da força e se dedicando ao que fazem de melhor: mentir, enganar, manipular, tripudiar. A humanidade ainda residirá nos que ingenuamente procuram o amor perante as câmeras. Reality shows são mesmo controlados por monstros, mas são estrelados por anseios e fantasias. O melhor contraste está aí, sempre esteve aí.

Nota do Crítico
Bom

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