Quando Yellowjackets começou, em novembro, parecia se encaixar perfeitamente na atual e prolífica safra de séries de mistério americanas, de Big Little Lies a The Undoing e Mare of Easttown, com o tempero a mais da nostalgia noventista que está em voga em produções como Cruel Summer e Rua do Medo. A junção dessas duas tendências em uma só produção soava como uma daquelas coisas nascidas de algoritmo, uma receita perfeitamente calculada para o sucesso em 2021/22, mas é impossível sair da primeira temporada de Yellowjackets pensando da mesma forma.
A dupla de criadores Ashley Lyle e Bart Nickerson, veteranos de séries como Narcos e The Originals, subverte expectativas ao priorizar o desenvolvimento dos personagens e amarrar cada uma das respostas que oferece ao espectador (parciais, porque a ideia é continuar essa mesma história na próxima temporada, anunciada pelo canal Showtime no mês passado) a esse desenvolvimento. Às vezes, propõe Yellowjackets, a resposta mais simples é a verdadeira. Às vezes, ao invés de uma grande virada narrativa, o mais satisfatório é ver a história a que estivemos assistindo o tempo todo chegar à sua conclusão mais natural.
A trama da série é dividida em duas linhas temporais. A primeira, nos anos 1990, mostra um time de futebol feminino escolar sofrendo um acidente de avião enquanto viaja para jogar um campeonato. Presas em um local selvagem e isolado, elas aos poucos percebem que as chances de resgate são remotas, e a dinâmica do grupo começa a se deteriorar. Na outra parte da história, acompanhamos quatro dessas garotas na fase adulta, décadas após serem encontradas na selva, quando um chantageador misterioso começa a enviar mensagens para elas ameaçando contar tudo o que aconteceu por lá.
O quarteto central do elenco adulto é a grande força de Yellowjackets, e a série sabe muito bem disso. Melanie Lynskey, Tawny Cypress, Juliette Lewis e Christina Ricci foram perfeitamente escaladas em papéis que sublinham o que elas fazem de melhor - da banalidade suburbana que esconde uma corrente sombria poderosa, expressada à perfeição por Lynskey, até a energia lunática e o timing cômico impecável que fazem da Misty de Ricci uma perdedora passivo-agressiva impossível de não amar. É difícil imaginar alguma das protagonistas interpretada por outra pessoa.
Acima de qualquer coisa, no entanto, nenhum dos personagens de Yellowjackets é facilmente rotulável. Eles são humanos em um nível até patético, presos em ciclos viciosos particulares, representativos de todo um leque de possíveis reações ao trauma. Melhor ainda, a série resgata aqui um prazer elemental da narrativa televisiva: o de revelar as camadas mais profundas de suas criações pacientemente, dando ao espectador o tempo de digerir cada um dos sentimentos levantados por elas ao invés de guardar tudo para os últimos minutos em uma estratégia de choque.
Não leve a mal: há surpresas no finale de Yellowjackets, mas elas não contradizem de nenhuma forma o que já conhecemos da natureza de cada uma das protagonistas, ou das ações delas até aqui. De certa forma, a tensão que existe na série é toda provida pelo time de diretores (Bille Woodruff faz um trabalho especialmente brilhante em “Saints”, o sexto capítulo da temporada), reponsável pela estética granulada que serve a função dupla de remeter aos anos 1990 e fundar até as ações mais absurdas das personagens em algum semblante de realidade.
No papel, mesmo, essa é “apenas” a história de mulheres empurradas ao limite, o que elas fazem quando estão lá, e os dominós que caem através das décadas por causa de suas ações. É uma série fascinada muito menos pelos mistérios que levanta, e muito mais pelos relacionamentos que desenha - e que, só por isso, foge da sombra de qualquer algoritmo que possa tê-la gerado.
Criado por: Ashley Lyle, Bart Nickerson
Duração: 2 temporadas