Justiceiro e Elektra, dois dos personagens mais violentos da Marvel Comics, chegam à TV na segunda temporada de Demolidor pela Netflix. Representações icônicas dos chamados anti-heróis, Frank Castle e Elektra Natchios - que já tinham aguadas versões em carne e osso no cinema - aqui surgem bastante fiéis às suas origens nos quadrinhos.
O Justiceiro é especialmente bem trabalhado. A série o trata com requintes de maníaco, uma espécie de Hannibal Lecter armado até os dentes, determinado a acabar com as gangues da Cozinha do inferno. Jon Bernthal, o Shane de The Walking Dead, parece ter nascido para o papel, que apesar de ter diferenças em relação à sua origem é instantaneamente reconhecível.
Seus métodos são totalmente diferentes dos empregados pelo Demolidor (Charlie Cox), o que coloca os dois vigilantes em rota de conflito. No episódio 3 da segunda temporada, por exemplo, temos um embate filosófico digno das grandes HQs dos personagens. Nos quadrinhos é comum que tais diálogos aconteçam no meio da pancadaria... na adaptação, para-se para a discussão - e ela é tão intensa quanto os murros que ambos trocam.
A ninja Elektra (Elodie Yung), por sua vez, é bem mais distinta da sua contraparte na Nona Arte, criada por Frank Miller. Ou talvez simplesmente explore um ângulo que não estamos acostumados a acompanhar da furtiva e violenta personagem. Ela e Matt Murdock, afinal, reencontram-se primeiro na qualidade de antigos amantes, cuja relação tumultuada não terminou bem. Não espere - ao menos nos primeiros episódios - a guerreira sexy de trajes diminutos e poucas palavras. Esta Elektra, ainda que também parta para a porrada, tem diálogos tão afiados quanto as adagas Sai que empunha nos quadrinhos.
A trama, nos sete episódios que tivemos acesso, divide-se entre a ameaça do Justiceiro e a chegada de Elektra, que chega para investigar uma nova facção que parece ligada aos misteriosos eventos da primeira temporada. Tudo enquanto o escritório de advocacia de Nelson & Murdock tenta sobreviver na Cozinha do Inferno depois dos embates contra Wilson Fisk.
É um início forte, com a mesma pegada urbana almejando um suposto realismo da primeira temporada, e que dá mais o que fazer a Foggy e Karen Page, trazendo de volta também a "Enfermeira Noturna". A personagem de Rosario Dawson ajuda a conectar a história com Jessica Jones e Luke Cage, o que renderá à Netflix a superequipe Os Defensores futuramente.
As conexões com o Universo Marvel do cinema são mais sutis que a primeira temporada, porém. Ainda que empresas como a Roxxon voltem a ser citadas, fica a impressão que a distância ficará cada vez maior, dando espaço à brutalidade desse universo televisivo.
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[Atualizado em 20/3 com os episódios 8-13]
A metade final da segunda temporada de Demolidor vai ainda mais fundo na construção de seus personagens, aproximando-os dos quadrinhos da melhor maneira possível: sem rodeios ou vergonha pelo meio original.
Se começou tímida, Elektra ganha revelações de origem que tornam a anti-heroína mais parecida com a criada por Frank Miller, mas com uma necessária e inteligente modernização. Nas HQs, a ninja sempre foi mais sisuda e apática, uma figura dramática dedicada à sua missão, sem a alegria pela destruição demonstrada aqui. Acerto grande dos produtores, que já tinham em Frank Castle tal exemplar, tão vingativo e melancólico quanto habilidoso e violento.
Entre o Justiceiro e Elektra está o pobre Matt, que nada furiosamente para manter a cabeça erguida sobre a superfície do mar de desgraça que assola sua vida. Como nas melhores histórias do herói nos quadrinhos, o advogado cego tenta conciliar suas duas existências - sem muito sucesso. Constantemente confrontado com as suas limitações - e antigos inimigos -, não tarda para que ele veja tudo o que construiu na primeira temporada e metade inicial desta ruir.
Seria algo deprimente, não fosse a admissão de que a vida noturna como Demolidor é parte de quem ele é, algo que ao longo desta fantástica segunda temporada todos os personagens parecem abraçar, incluindo Karen Page e Foggy Nelson. Até a enfermeira Claire escolhe o caminho altruísta da entrega heroica, algo que não poderia ser mais digno da simplicidade envolvente das HQs de super-herói.
E o encerramento levando direto ao teaser trailer de Luke Cage só aumenta o entusiasmo pelo momento em que todos esses heróis urbanos se encontrarão na série dos Defensores, cujas pistas sobre a grande ameaça não param de se acumular.
Enfim, muito mais do que um veículo para easter eggs e momentos de fan service, Demolidor prova aqui ser uma obra fiel ao seu material original. Encher a tela de ninjas sobrenaturais, ícones gráficos e coreografias legais é ótimo, mas o estofo "frank milleresco" é o que realmente mantém o espectador conectado na Netflix, apertando o botão de "veja a seguir" antes mesmo que a contagem regressiva termine.