Quando essa crítica começou a ser escrita, uma notícia já circulava intensamente pelas redes sociais: a trilha sonora de Empire tinha alcançado a proeza de brigar com Madonna (com um álbum fresquinho) pela primeira posição na Billboard. De fato, a trilha conseguiu até mesmo destronar a cantora nos primeiros cinco dias do lançamento. Algo assim só havia acontecido antes com outra produção da Fox, também um musical, chamada Glee, e que coincidentemente chegou ao fim no dia 20 de março. Então, ao mesmo tempo em que um império mercadológico se finda, outro ascende.
Criada por Danny Strong e Lee Daniels (que já havia sido notado pela produção de Preciosa), o império a que se refere o título é o da família Lyon. Aos trancos e barrancos, Lucious Lyon (Terrence Howard) conseguiu a proeza de deslizar do mundo do crime para o mundo da música e ainda teve a sorte de ter seu talento escolhido para ser aquele que divide a história. Então, o rap, o hip hop e o R&B se tornaram a mola mestra de sua trajetória. Sua gravadora se tornou lendária e ele virou o artista mais respeitado do mercado fonográfico.
O problema é que Lucious foi diagnosticado com uma doença degenerativa incurável e tem muito pouco tempo de vida. Começa, então, no melhor estilo folhetim latino, uma corrida para saber qual dos filhos do músico assumirá seu lugar à frente dos negócios da família. Se será o burocrático e nada talentoso Andre (Trai Byers); o jovem, talentoso e hedonista Hakeem (Bryshere Gray); ou o sensível e dedicado Jamal (Jussie Smollet). Além deles, a ex-mulher de Lucious, que saiu da cadeia depois de 17 anos cumprindo uma pena que devia ser dele, também quer sua fatia do bolo.
Novela Estilizada
Com uma base narrativa como essa, fica difícil não se fisgar, pelo menos de primeira, pelo que se vê em Empire. Respeitando a cartilha de qualquer folhetim, tudo na dramaturgia da série é sobre embate, confronto, intriga e vingança. Partindo do diagnóstico de Lucious e da liberação de Cookie (Taraji P. Henson, numa interpretação irresistível), todas as tramas se desenvolvem com pressa e muita eloquência. Paternidades, traições, homicídios e embustes simplesmente transbordam dos episódios de Empire com uma urgência impressionante.
Isso acaba gerando um efeito contraditório nas intenções estilísticas da série. Embora o protagonista de Terrence Howard tenha sido criado para reproduzir o modelo de protagonista masculino falho e atormentado, o resultado final do programa está longe da elegância que se vê em produções onde o exemplo se estabelece, como Mad Men. Empire acaba sendo um pouco híbrida, invocando as expectativas de uma Família Sopranos, mas acabando aparentada com as reviravoltas de Revenge. Não é uma questão de juízo de valores, entretanto... Dentro de suas propostas, Empire consegue ser quase totalmente bem sucedida.
A homossexualidade do filho Jamal é o flerte com o diferencial. Não podemos esquecer que o mundo do hip hop e do rap é essencialmente heterossexual e uma condição como essa abala o modus operandi cristalizado desse meio. É aí que Empire sai do lugar comum, não se privando de abordar o preconceito latente desse universo dominado por negros, o que, em perspectiva, gera um ruído e uma discussão bastante interessantes. É bem verdade que quase sempre a narrativa se perde entre as dezenas de rasteiras que os personagens aplicam uns nos outros. Mas, volta e meia, ele surge e faz a diferença.
Novela Cantada
Enfim, boa parte do sucesso da série também se dá pela produção musical. Timbaland cuida de toda essa parte e garante, para cada episódio, uma quantidade generosa de canções finalizadas e em processo de finalização (como bem se adequa nesse cenário de indústria fonográfica). Aqui, Empire se afirma de novo com um híbrido do gênero musical. Embora as canções estejam presentes o tempo todo, elas não fazem parte do diálogo direto entre os personagens. Ou seja, nada de ver diálogos virando música. Tudo que é executado em Empire está dentro do plano narrativo independente. Os personagens cantam apenas quando se apresentam, ensaiam ou criam. Isso, sem dúvida, fez com que o público que curte música, mas odeia musicais, permanecesse interessado.
A cultura musical negra nunca esteve tão em alta como agora. Sobretudo porque, ao contrário de como acontecia com os fãs dos grandes artistas negros que mudaram a história nos anos 60 e 70, os consumidores desse tipo de material não precisam ficar no armário. Existe a nossa volta um império efetivo, que faz rios de dinheiro e movimenta a indústria da música mesmo quando o artista solo não é negro. Alguns dos produtores dos maiores sucessos dos últimos anos são afrodescendentes e deram ao cenário pop uma homogeneidade notória. Trechos de rap e hip hop em canções de trabalho de Madonna, Katy Perry, Britney Spears entre outras, não são nada incomuns. Assim, estabeleceu-se um status social que inclui não só a música como a língua, a moda e outras expressões artísticas. Empire difunde e alimenta esse nicho. Outra prova disso é a quantidade respeitável de convidados especiais que já apareceram na série, como Courtney Love, Jennifer Hudson e Naomi Campbell.
Infelizmente, na mesma proporção em que tramas novelescas são divertidas, também são mais aptas ao descontrole. Já no seu episódio final, Empire demonstrou cansaço e apresentou algumas decisões equivocadas, que mais valorizavam a reviravolta a qualquer preço do que a construção coesa de seus personagens. Além disso, se muitas cartas são jogadas na mesa de uma vez, logo as suplentes começam a ser requisitadas. Já vimos isso acontecer em outras "novelas seriadas", que depois de um período de paixão, começam a precisar lançar mão de ressuscitações, parentes que chegam e somem a cada temporada e segredos que nunca tinham dado pistas prévias de existência. Tramas assim divertem mais, mas também exigem muito mais controle.
Porém, para aqueles que querem apenas se divertir e ouvir música de qualidade, Empire é uma opção justa e relevante. Não se sabe por quanto tempo ela vai conseguir evitar o descarrilamento. Mas, até lá, seu nome já vai ter sido gravado e consumido ao redor do mundo como poucas séries têm a sorte de conseguir fazer.