Séries e TV

Entrevista

Carcereiros | Premiada em Cannes, série da Globo é tema de debate na Mostra de Tiradentes

Diretor José Eduardo Belmonte fala sobre a adaptação dos relatos prisionais colhidos por Dráuzio Varella

22.01.2018, às 18H36.
Atualizada em 23.01.2018, ÀS 03H05

Bunker para o radicalismo de linguagem e para a experimentação narrativa do cinema brasileiro, a Mostra de Tiradentes - cuja 21ª edição segue até sábado – abre um espaço para discutir televisão e as relações da teledramaturgia com a literatura nesta segunda (22), num debate sobre a série Carcereiros da TV Globo. Com estreia marcada para junho na grade global, a produção foi premiada em Cannes, em 2017, no fórum internacional MIP TV.

Para falar sobre essa vitória e sobre as denúncias sociais levantadas pelo projeto, baseado em livro do Dr. Drauzio Varella, a cidade mineira recebe, às 21h, os escritores Marçal Aquino (O Invasor) e Fernando Bonassi (Luxúria), além do diretor do seriado, José Eduardo Belmonte (Alemão).

Na entrevista a seguir, Belmonte fala ao Omelete o que descobriu em sua incursão ao universo das prisões, tendo Rodrigo Lombardi como astro principal.

Omelete: Qual é o Brasil de Carcereiros e o quanto ele dialoga com teus filmes anteriores?
José Eduardo Belmonte: O Brasil de Carcereiros mostra uma luta entre o ranço da cultura autoritária versus o individuo, tentando resolver os seus conflitos. Essa equação se aproxima bastante dos meus filmes, pois estes sempre tentaram mostrar pessoas diante de problemas grande demais. E já que o individuo não consegue dar conta do todo, é preciso se concentrar no que é mais essencial, criar uma micropolitica que talvez consiga contaminar o todo. É um tema que sempre me interessou: A realidade intransponível... e a urgência de seguir em frente. Nisso, mesmo que erraticamente, é preciso semear algo para desenvolver lá na frente. Esteticamente, muito por causa do gênero (uma série de ação com drama), o filme meu que mais se aproxima de Carcereiros é Alemão.

Elementos clássicos da teledramaturgia como "mocinhos" e "vilões" entram de que maneira numa narrativa realista como a de Carcereiros?
Não sei se é possível se enquadrar aqui o conceito de mocinhos e vilões. Pedi aos atores que procurassem o humano, sempre: entende-se as razões do mal e do bem para cada personagem. A série funciona em dois registros. Um é o regristro documental, com imagens advindas do documentário dirigido pelo Fernando Grostein, Pedro Bial e Claudia Calabi. É um retrato realista, cru do universo penitenciário, em que usamos também depoimentos de agentes penitenciários para explicar a complexidade do sistema e as minúcias da profissão. Noutra via, tem uma história de gênero (ação) sempre ancorada por um dilema moral. Creio que ter o documentário, que mostrava o macro, a "escala monumental", liberava a ficção para a "escala gregária" e usar mais o simbólico sem deixar de ser crível, obviamente.

O que esta série te apresentou de mais radical em termos de vivência com o submundo do Brasil?
Nosso sistema penitenciário é desumano, cruel, perverso. Temos umas maiores populações carcerárias do mundo vivendo em condições degradantes. Isso nos faz crer que essa lógica da nossa justiça, que se concentra em ser mais punitiva, baseada no justiçamento, não funciona.

Que universo novo essa série te apresentou?
O principal mérito da série vem do livro do Drauzio Varela, que tenta jogar luz sobre a profissão do agente penitenciário. Ele é um servidor público mas com poucos recursos do Estado para enfrentar situações graves e facções criminosas . E a sociedade prefere mantê-lo na invisibilidade. Só os vemos em noticiários quando são reféns, ou quando estouram casos de corrupção. Por causa da série, eu vi a complexidade da profissão e aprendi que há vários profissionais tentando fazer pequenas revoluções. Profissionais que lutam para não serem absorvidos pela violência. Dão aulas poesia para detentos, fazem grupos de teatro com ex-detentos, usando a técnica do teatro do oprimido, investindo as vezes seu tempo livre e recursos próprios por que sabem da inutilidade de como o sistema opera hoje.

Quais são teus próximos projetos de filme?
São muitos. Estou interessado em falar sobre ser (ou se sentir) estrangeiro e falar do Brasil sobre outra perspectiva. Tenho, nesse sentido, alguns projetos para filmar fora do Brasil. Dois desses se passam nos Estados Unidos. Não são filmes americanos rodados por um brasileiro mas, sim, filmes transnacionais rodados nos Estados Unidos. Almost Deserted, com Leonardo Sbaraglia (de Relatos Selvagens) e escrito pelo Pablo Stoll (Whisky) e pelo Carlos Marcelo, é o que está mais avançado. Tenho outro projeto nesse sentido para rodar na Irlanda e outro em Berlim. A ver... Além disso, no Brasil, tenho um filme roteirizado pelo escritor Raphael Montes, produzida pela Barry Company, chamado Uma Família Feliz, que é uma história sobre linchamento moral. Tenho outro filme para dirigir chamado Irmãos, que é uma história sobre arte, Deus e religião dentro do universo evangélico. Estou filmando aos poucos um documentário sobre a artista plástica Rita Wainer. E, também no Brasil, tenho projetos de produtores para os quais fui convidado para dirigir. Desses, Riso de Ariano (título provisório), escrito pelo João Falcão, e Alemão 2, produzido pelo Rodrigo Teixeira, são os mais adiantados.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.