Feras | Nova série de MTV tenta falar com a juventude mas só confirma clichês

Créditos da imagem: Feras/MTV/Divulgação

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Feras | Nova série de MTV tenta falar com a juventude mas só confirma clichês

Seriado quer ser honesta sobro a juventude contemporânea, mas só consegue um resultado insensível e alienado

21.01.2019, às 15H17.

O Brasil é um país com uma teledramaturgia muito forte, e até certo ponto o fato de buscarmos uma identidade textual própria nos faz marcantes dentro do cenário do entretenimento mundial. Novelas (o principal dos produtos) e séries viajam o mundo e são até mesmo indicadas a prêmios muito importantes, produções aperfeiçoaram os folhetins, produziram séries de humor muito relevantes e outras familiares que duraram muitos anos, e em alguns casos, o universo jovem foi abordado de forma promissora - porém, nunca sem que tivesse um ar de didatismo um pouco irritante. Do outro lado da moeda, em produções alternativas, essa mesma juventude virou um retrato entorpecido e cínico dos setores artísticos da nossa televisão. As coisas se polarizaram: ou jovens didatizando a vida ou jovens alienados do mundo.

João Vitor Silva adentra o episódio piloto de Feras – nova série original da MTV – com um trabalho importante pela frente: a escolha dele para protagonizar a história criada por Felipe Sant’Angelo Teodoro Poppovic é bastante calculada. O ator ficou conhecido por ter sido um dos Pedrinhos das versões contemporâneas do Sítio do Pica-Pau Amarelo, e aqui o intuito é ver essa atmosfera de ingenuidade sendo destruída a cada quadro pelo grupo de jovens paulistas mais insensíveis e alienados da teledramaturgia seriada nacional. 

Ciro, seu personagem, está cercado de assepsia afetiva e o mundo da série parece querer abrir uma discussão sobre quem afeta quem. Se o protagonista vai "amolecer" corações ou se vai acabar sendo o mesmo babaca que compõe seu grupo de amigos. O rapaz vê seu relacionamento de vários anos terminar de modo abrupto e percebe, então, que é obrigado a entrar de novo na noite paulista. O perfil dele é traçado imediatamente pelas primeiras cenas: Ciro é hesitante, tímido e quando é beijado por outra garota decide imediatamente contar para a namorada. Os criadores da série parecem não perceber, mas estão construindo uma espécie de maniqueísmo emocional que empobrece sua dramaturgia tanto quanto nas produções popularescas (como Malhação)

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Ciro é um jovem fiel, honesto, verdadeiro e apegado; que tem uma namorada insensível que termina com ele de uma forma grosseira e desonesta, o que o faz ter que passar a conviver com mais um monte de outros jovens egoístas, insensíveis e irresponsáveis. Criada para ser um retrato honesto, Feras é só uma caricatura disfarçada do circuito pseudouniversitário da classe média "rebelde" e "questionadora".

Feras?

A crueza visual da produção era esperada para os padrões do canal e não deixa de ser condizente com a atmosfera quase sempre noturna dos episódios. Os criadores, contudo, parecem ter vivido um conflito entre as próprias ideias e o que está vigente no mercado. A narração que ilustra pensamentos em primeira pessoa, presentes em séries como Grey’s Anatomy, Sex and the City e até na recente You, foi substituída por uma narração em terceira pessoa, que adentra as cenas de uma forma mal orquestrada. Enquanto nas séries citadas essas narrações começam os episódios conduzindo a produção de sentido, em Feras a narradora entra em momentos desconexos e com interferências que não enriquecem a dramaturgia, mas apenas dão voz a rubricas desnecessárias e redundantes.

Os núcleos paralelos são igualmente problemáticos. Camila Márdila – que precisa dispensar um português que a seguiu até o Brasil – compreende perfeitamente a personagem e de sua força e decisão poderia surgir uma ótima experiência. Os amigos Raul e Barbieri (vividos por Vinicius Beu Rodrigo Garcia) oferecem alguns bons momentos de humor, os poucos do episódio que funcionam. De fato, o que deixa os personagens menos interessantes é justamente a falta de um humor mais direto. Em busca de uma comédia mais intelectual e sofisticada, o texto não segura as pontas do propósito e fica perdido no meio dos caminhos. Ás vezes ele quer falar de estereótipos e às vezes acaba confirmando os mesmos. A ideia de mostrar um jovem romântico percebendo que a noite paulistana está cercada de cinismo é interessante (sobretudo por tratar-se de um protagonista masculino), mas na maioria do tempo o texto produz personagens antipáticos, grosseiros e soturnos.

Feras tem uma boa ideia, mas lhe falta uma ligeira dose de otimismo, ternura, que não vem por conta de percepções até compreensíveis. Com cara de trabalho de final de curso, a série quer ser chocante, quer ser provocativa, quer ser visceral, num país em que os setores artísticos se dividem entre o que chamam de "popular" e o que chamam de "erudito". A série está num canal cheio de realities e pop culture, mas foi feita com um espírito quase universitário. Com seus flertes políticos, drogas, sexo casual e alienação, é como se a pretendida poesia da narração coroasse uma ideia múltipla que não se organiza e resulta em quase nada.

Os 13 episódios começam a ir ao ar em 21 de janeiro, e logo depois da estreia estarão disponíveis no app do canal. Qualquer iniciativa de produção nacional merece nossa atenção e agora resta torcer para que ela consiga se configurar melhor no processo. A Fera está no título, na gíria, mas não metaforiza qualidade.

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