O sétimo ano de Game of Thrones começou ancorado na premissa ousada de organizar tudo o que aconteceu ao longo de seis temporadas em um grande quebra-cabeça que pavimentasse o derradeiro fim da série. Muita coisa precisava ser feita, em vários níveis: desde colocar Jon Snow (Kit Harington) e Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) lado a lado até transformar o problema dos White Walkers em algo comum a todos os habitantes de Westeros. A missão da temporada era ainda mais complicada levando em conta que o novo ano seria reduzido - ao invés dos habituais dez capítulos, o penúltimo ano de Game of Thrones contou com apenas sete episódios. Como há muito não acontecia na série, a história caminhou a passos largos e raros minutos foram desperdiçados em um roteiro em que cada diálogo e cada ação se revelaram indispensáveis.
É claro que isso não aconteceu de forma impecável. Foi difícil não sentir falta dos dez episódios habituais - em especial no confuso e atropelado penúltimo episódio. Ainda que seja injustificável sentir saudade de temporadas extremamente morosas, a quantidade de coisa que foi deixada para os 13 capítulos finais, juntando o sétimo e oitavo ano, não coube com exatidão em temporadas reduzidas - a impressão é que o grande volume de informação ficou ligeiramente apertado.
Contudo, é preciso dar os devidos créditos à equipe de roteiristas e aos produtores Dan Weiss e David Benioff. Os seis anos anteriores foram responsáveis por tirar do caminho todos os personagens que não seriam estritamente necessários para delinear o conflito principal da série, colocando Westeros contra o Rei da Noite e seu exército de mortos. As peças fracas, ou, pelo menos, dispensáveis, foram cortadas do tabuleiro e a história só foi possível de acontecer por ter se concentrado em um terço dos personagens que já integraram o elenco da série. Além disso, alguns momentos que pareceram ser negligenciados em um instante inicial, como o reencontro entre Jon Snow e Theon Greyjoy (Alfie Owen-Allen) ou o aparente descaso de Daenerys com a morte de Viserion, foram arrumados no decorrer da história. Essas duas situações, por exemplo, receberam a atenção necessária mais adiante: o ex-bastardo de Winterfell teve um diálogo necessário e sincero com Theon no último episódio e, algumas cenas antes, Daenerys revelou empenho na sua missão de não deixar a morte de seu dragão passar em vão.
O processo de colocar as peças encaixadas para que as coisas se desenrolassem mais facilmente, é claro, também fez com que alguns próximos passos ficassem mais fáceis de ser pressumidos. Todo o arco da descoberta da identidade real de Jon Snow como sendo um legítimo Targaryen, filho de Lyanna Stark (Aisling Franciosi) e Rhaegar (Wilf Scolding), precisava de Bran Stark (Isaac Hempstead Wright) e Sam Tarly (John Bradley-West) em posições e funções estratégicas - ou convenientes. Se Bran não tivesse se tornado o Corvo de Três Olhos, não teria visto que o irmão é, na verdade, seu primo, e, paralelamente, se Sam não estivesse na Cidadela com o livro certo na hora certa, ninguém teria o conhecimento de que Jon é o legítimo herdeiro Targaryen do Trono de Ferro - e não um bastardo Sand, como Bran deduzia até então com base em suas visões. No próximo ano, certamente haverá a parte que falta para concluir essa trama: Meera Reed (Ellie Kendrick), já que seu pai, Howland Reed, é a única testemunha viva capaz de atestar que Jon é mesmo filho de Lyanna e Rhaegar.
Na pressa, algumas coisas ficaram mal explicadas, como a marca do Rei da Noite no braço de Bran. Muita gente especulava que o jovem Stark carregar o sinal seria suficiente para eliminar a magia que impedia o exército de mortos de atravessar a Muralha - e isso não era uma especulação gratuita, já que a marca foi o que minou a magia que protegia a caverna onde vivia o Corvo de Três Olhos anterior. Contudo, o rapaz atravessou a fortaleza e não só ela continuou de pé quanto tudo em relação a isso passou a ser ignorado. Outra coisa mal resolvida foi a situação de Verme Cinzento e do exército de Imaculados que, em um momento estavam cercados pelas embarcações do insuportável Euron Greyjoy (Johan Philip Asbæk) e, em seguida, já estavam em campo prontos para o combate.
Uma coisa que também incomodou parte dos espectadores foi a repentina agilidade das viagens entre os distantes pontos de Westeros. De fato, não é necessário mostrar passo a passo travessias que não acrescentam nada à história, mas é preciso manter um limite de razoabilidade. O penúltimo episódio precisava ter sido dividido em dois para não ter ficado artificial. Seria interessante ver como os homens estavam sobrevivendo ilhados em um bloco de gelo, mas tudo se resolveu muito rápido, eliminando a complexidade potencial que havia ali. Questões como "será que eles precisariam comer o corpo de Thoros (Paul Kaye) para não morrer de fome?" ou "por que os White Walkers não resolveram com as próprias mãos a questão do gelo descongelando?" foram infelizmente descartadas e quem perdeu foi o espectador.
O sétimo ano, contudo, teve mais acertos que erros, indiscutivelmente. Conseguiu manter o público atento a cada cena, a cada gesto, a cada conversa. A temporada também mostrou que a série é dona de um roteiro inteligente e resgatou vários diálogos ou situações de anos anteriores, resignificando essas passagens antigas. O mais interessante desse processo é ver como tudo já esteve arquitetado desde a primeira cena para que os heróis e anti-heróis de Game of Thrones chegassem no ponto atual - não é a toa que Jon e Daenerys, ao longo da série, foram os locutores de frases semelhantes ou foram alvos de comentários idênticos feitos por terceiros. Tudo isso alimentou a ideia de que eles são peças complementares na longa saga de gelo e fogo. Os episódios trabalharam em três frentes principais: a guerra dos Tronos, a ameaça cada vez mais sólida dos White Walkers e a descoberta da identidade de Jon. Todas elas avançaram perfeitamente bem.
Outra coisa que a sétima temporada soube trabalhar bem foi a disfuncionalidade familiar presente em núcleos que vão desde os Stark até os Lannister. O reencontro nortenho rendeu dinâmicas interessantíssimas, colocando personagens que passaram por muita coisa no meio de um conturbado processo onde precisaram se conhecer novamente como as pessoas diferentes que se tornaram. Sansa (Sophie Turner), Arya (Maisie Williams) e Bran são exemplos vivos de como a série evoluiu desde o primeiro episódio - o arco final dos três em Winterfell, defendendo o que sobrou de sua famíla de ameaças sorrateiras como Mindinho (Aidan Gillen) foi realmente algo épico. A forma como os diálogos de Sansa e Mindinho ou de Sansa e Arya se embaralharam nos dois últimos episódios foi música para o ouvido do espectador.
Do lado Lannister, a coisa não foi diferente. Lena Headey conduz com maestria uma Cersei cada vez mais perigosa em função do seu descontrole contraditoriamente metódico. A vilã - sim, Cersei é definitivamente uma vilã, ainda que banhada em toneladas de complexidade - teve dois grandes momentos no último episódio, o primeiro com Tyrion (Peter Dinklage) e o segundo com Jaime (Nikolaj Coster Waldau). Ambas as relações são problemáticas e doentias - ver os diversos níveis disso em cada frase dita por eles foi muito interessante. O ponto em que cada um dos três termina também diz muito sobre eles: enquanto Jaime, o Regicida, mostra ainda ter algum resquício de honra e marcha sozinho para o Norte, Cersei se afunda solitária em seu egoísmo enquanto quebra as próprias promessas. Tyrion, por sua vez, segue patinando da forma mais sutil possível entre o dever e a família.
O principal, é claro, aconteceu na Muralha. Com o dragão zumbi de gelo, o Rei da Noite derrubou a estrutura milenar e deixou a promessa de confrontos épicos para o próximo ano. O inverno também chegou finalmente no Sul e Cersei ainda será responsável por muita dor de cabeça para o casal - inevitável, por mais que incomode os mais sensíveis às questões de incesto - formado por Daenerys e Jon Snow, agora Aegon Targaryen. O sétimo ano ainda é o penúltimo - mais seis episódios estão reservados no futuro de Game of Thrones -, mas já antecipou a saudade que uma das séries de maior qualidade da história da televisão deixará quando encerrar de vez sua exibição. George R.R. Martin, o autor da obra original, já havia adiantado que o fim da história será agridoce, mas isso claramente independe da conclusão narrativa: se despedir definitivamente de Game of Thrones não será uma tarefa feliz para milhões de fãs ao redor do mundo.