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Crítica

Girlboss - 1ª Temporada | Crítica

Série tem potencial para, ao longo do tempo, se tornar um dos melhores guilty pleasures de uma geração inteira

24.04.2017, às 17H30.

Se você é desses que tem verdadeira ojeriza ao termo millennial, Girlboss, nova série da Netflix, não será sua melhor indicação de programa no serviço de streaming. Ou talvez seja exatamente o contrário disso. A comédia - que depois se revela uma dramédia - é uma grande piada sobre hiperbolizar aspectos geracionais das pessoas que nasceram após os anos 1980. Girlboss, criada por Kay Cannon (A Escolha Perfeita) é inspirada (livremente, como a própria série pontua no começo de cada episódio) na história real de Sophia Amoruso, que, através de uma internet ainda rudimentar, criou a marca milionária Nasty Gal. A própria Amoruso assina a produção executiva da atração, junto de um time que conta com nomes como a atriz Charlize Theron.

Britt Robertson (O Espaço Entre Nós) vive Sophia Marlowe, uma jovem com pouco mais de 20 anos. A personagem concentra todas as principais críticas dirigidas aos millennials: egocêntrica, egoísta, impulsiva, teimosa e preguiçosa - e ela de fato é tudo isso, com exceção do último item. Mais do que uma referência geracional ambulante, Sophia ilustra a pressão sofrida por jovens para construírem carreiras ao mesmo tempo em que têm seu potencial subestimado por qualquer um que seja um pouco mais velho que eles. E, no caso dela, além de ser jovem, é uma mulher jovem, o que torna ainda mais difícil a conquista da credibilidade. Com dificuldade de se adaptar ao ritmo de vida imposto pela geração anterior, Sophia começa a série completamente perdida e as coisas mudam quando ela percebe que pode escapar de uma rotina entediante ganhando dinheiro fazendo algo com o qual sente prazer - bem vindo ao mundo utópico das startups.

Um dos principais méritos da série são os coadjuvantes e como todos eles se relacionam. Ellie Reed vive Annie, a melhor amiga de Sophia e Johnny Simmons interpreta Shane, interesse romântico da protagonista. RuPaul Charles (Lionel, o vizinho de Sophia), Jim Rash (Mobias), e a dupla formada por Cole Escola e Nicole Sullivan (respectivamente Nathan e sua mãe Teresa) são pontos altos da série - Koosha Patel como Kaavi aos 45 do segundo tempo também é uma boa adição ao elenco. Embora o elenco esteja bem entrosado, é preciso tomar cuidados com exageros: ainda que muitas vezes, principalmente nos primeiros episódios, as atuações sejam propositalmente caricaturais, elas em aguns momentos desafiam o limite do bom senso e soam infantilóides demais.

Girlboss segue quase que uma receita de bolo para um sitcom dar certo. Todos os primeiros episódios reforçam situações que, por serem bem aplicadas na trama, não soam repetitivas e ajudam a construir a personalidade dos personagens, principalmente da protagonista. Sophia, por exemplo, sempre rouba alguma coisa - tapetes, livros, pelúcias e até árvores de Natal - e isso não acontece de forma gratuita: é o recurso que a mantém conectada com seu lado irresponsável e pateticamente transgressor. Outras coisas marcam a série, como o uso de luzes azuis e vermelhas estouradas, mas a situação recorrente mais importante é que, em algum momento inesperado de todo episódio, o nível estridente de serotonina vai despencar de uma só vez, dando à protagonista momentos de sofrimento real. São essas cenas que fazem com que o espectador não se permita reduzir Sophia aos seus defeitos irritantes e enxergue a garota como um ser humano.

Além disso, a série faz o dever de casa introduzindo bordões suficientemente bem trabalhados para que o público se apegue a eles (“eu te amo, caso eu morra”) e inserindo objetos com o potencial de se tornarem símbolos da série - o casaco descolado que desencadeia toda a trama pode ser facilmente a versão Girlboss de um famoso guarda-chuva amarelo. Luz, cores e cenários são impecáveis e o figurino é um show à parte - a atmosfera precocemente vintage faz com que o espectador entenda o motivo da Nasty Gal ter se tornado um sucesso milionário na vida real. A direção dos episódios, divididos entre Christian Ditter, Steven Tsuchida, John Riggi, Amanda Brotchie e Jamie Babbit é ótima, com destaque para esse último, que materializa de forma hilária e simples um fórum online da primeira década do século no décimo episódio.

Kay Cannon aprendeu com A Escolha Perfeita que referências pop são uma ótima isca para afagar o imaginário saudosista do público-alvo da trama e Girlboss abusa deles - desde Annie falando sobre “ajudar Britney Spears depois do episódio do guarda-chuva” até a cena onde os personagens assistem a morte de Marissa em The OC e a classificam como “o evento televisivo mais importante de uma geração”. Se a direção, a fotografia e, obviamente, o figurino são à prova de críticas, a trilha sonora também não fica para trás. A primeira música da série é "The Wild One", de Suzy Quatro, e ao longo do programa somos brindados com Yeah Yeah Yeahs, Bikini Kill, Silversun Pickups, New Young Pony Club, Black Kids - não tem uma canção sequer na trilha que não reflita com perfeição a atmosfera do programa.

Apesar disso, a narrativa da série tem alguns problemas pontuais. Ainda que a atração não crie a famosa barriga ao longo dos 13 episódios, ela derrapa na hora de encontrar a medida certa entre humor e drama em alguns momentos. Querendo dar passos mais longos do que as pernas aguentam, Girlboss ocasionalmente cria conflitos muito sérios entre os personagens, mas os soluciona como se eles fossem menores do que de fato são. Duas discussões de Sophia na trama, uma com sua frenemy Gail (Melanie Lynskey) e outra com sua melhor amiga Annie, vão longe demais para serem resolvidas como se fossem probleminhas pontuais. Se a série quer introduzir questões mais pesadas no enredo, precisa comprar eles de fato na trama, caso contrário é melhor que não se arrisque tentando ir longe nesse quesito.

Girlboss tem potencial para ser a próxima sitcom preferida de muita gente órfã de séries como Girls e How I Met Your Mother. Britt Robertson não dá vida só a uma garota mimada, mas segura o bastão de ser um retrato caricato de uma geração que sofre tentando adaptar as relações profissionais para o mais próximo do seu conceito de felicidade. Sophia sofre com não saber o que vai ser da sua vida, sofre com a pressão de estar sendo subestimada o tempo todo e sofre - muito - com sua ansiedade. Por mais que a personagem consiga ser assustadoramente detestável em vários momentos, é impossível não torcer para que as coisas deem certo para ela - isso acontece porque, por incrível que pareça, é fácil para muito millennial se identificar com Sophia. É esse o lance da série em ser uma comédia dramática: é preciso trabalhar a autocrítica para conseguir rir de si mesmo.

Nota do Crítico
Bom

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