Os fãs mais ardorosos de Grey's Anatomy devem se lembrar que em suas primeiras temporadas, a série tinha uma abertura que fazia com que códigos do mundo da medicina se fundissem em códigos interpessoais. No final dessa abertura, dois médicos apareciam se pegando numa maca. Essa abertura foi abandonada com o tempo, mas a série manteve essa premissa de que os casos médicos precisavam ser sempre equilibrados com tramas românticas, que seriam usadas como costura central da produção. Esse “DNA” se tornou, inclusive, parte importante da marca Shonda Rhymes no mercado.
Contudo, essa atenção às relações amorosas passou a ser um problema a partir do momento em que ficou claro que Grey's Anatomy seria uma série longa... muito, muito longa. Por causa dessa longevidade, os casais formados já começavam fadados ao trauma, ou pela simples condição narrativa fadada ao drama ou por forças circunstanciais, como a mudança de atores do time principal. O fato é que nenhum casal da série durou muitos episódios como opção de leveza e carisma. Cônjuges morriam, partiam ou mesmo traíam. Os personagens tinham apelo individual, mas eram tóxicos uns para os outros, quase sempre.
Atualmente, a décima oitava temporada repete o mesmo ciclo. Jo (Camilla Luddington) foi abandonada por Karev (Justin Chambers) daquela maneira absurda e agora se interessa por Lincoln (Chris Carmack), que por sua vez está saindo de uma relação com Amelia (Caterina Scorsone), que já teve um pseudocasamento hediondo com Owen (Kevin McKidd) e agora recomeça com Kai (E.R. Fightmaster), a personagem não-binária com quem troca um beijo no episódio que encerra essa primeira parte da temporada. É sempre assim... Relações começam carismáticas e promissoras; e terminam apáticas ou malditas.
Em muitos casos, aliás, é difícil saber exatamente quais os planos dos roteiristas. Meredith (Ellen Pompeo) parecia estar prestes a viver um romance com Hayes (Richard Flood), mas, repentinamente, lá está ela numa relação com um paciente de uma temporada antiga, que foi “revelado” esse ano com ares de grande surpresa. É totalmente compreensível que a série precise manter em pauta essas relações pessoais, mas é sempre cansativo saber exatamente para onde elas serão levadas.
As Curas
Em vários momentos da trajetória de Grey's Anatomy, boas investidas nos campos profissionais dos personagens foram abandonadas em função dessa obrigação romântica. A temporada que perdeu Karev, por exemplo, construia um belo enredo em torno de um hospital sem os mesmos recursos do Grey Sloan. Era uma boa surpresa, que colocava em perspectiva uma realidade muito diferente daquela que a série construiu (com seus trabalhos de pesquisa patrocinados por uma perigosa rede de seguros de saúde). Com a saída escabrosa de Justin Chambers, tudo foi abandonado sem a menor cerimônia.
Nessa décima oitava temporada uma outra boa ideia foi estabelecida pelos roteiros: o trabalho de Meredith e Amelia, num outro estado, ao lado do personagem de Peter Gallagher, para descobrir uma cura para o Parkinson. Além disso, o enfoque no treinamento dos residentes era algo que já fazia muita falta para a série há muito tempo. Esses dois plots foram bem desenvolvidos nos primeiros 8 episódios desse ano e chegaram até essa midseason finale com um bom jogo de expectativas. Lá na ponta mais fraca dessa dramaturgia está o enredo de Owen com veteranos de guerra, que supostamente o coloca sob risco de vida. É muito improvável que a série dê esse passo trágico novamente, mas ao menos a sequência do acidente na estrada agitou um pouco as coisas.
Há muito tempo atrás, quando o sucesso da série era defendido por protagonistas residentes, o dilema da inexperiência versus responsabilidade era uma das forças motoras. Por isso, a escolha de colocar Schmitt (Jake Borelli) em uma situação fatal de erro médico, depois do passo maior que a perna ter sido autorizado pelo chefe do departamento; foi acertada. Há uma série de desdobramentos que tem a ver com a rotina de quem está aprendendo com uma vida humana nas mãos, que são parte do DNA da produção, mas, como o resto todo, perdem para a disfuncionalidade dos relacionamentos.
Pode ser que quando voltar, em 2022, a temporada acabe não indo em frente com os ganchos que apresentou. Mas, sem dúvida, se os aspectos profissionais forem levados a sério, a série pode se reenergizar de sua inteligência. E depois de tantos anos no ar, ser inteligente pode não ser uma busca, mas , sem dúvida, é um grande resultado. Não precisa nem apresentar a eloquência do desastre como muleta. Grey's Anatomy não precisa ser chata para ser minimalista.