Depois de 60 anos de carreira repletos de trabalhos memoráveis, é curioso pensar que Harrison Ford ainda possa ter primeiras vezes. Mas, acredite se quiser, Shrinking é um projeto inédito para o ator. Não apenas é a primeira série no seu extenso currículo — 1923 pode até ter sido lançada antes nos Estados Unidos, mas ele foi confirmado primeiro na produção do Apple TV+ —, como também é, de certa forma, sua estreia em comédias.
Pois é, embora alguns de seus personagens mais famosos, como Han Solo e Indiana Jones, tenham uma veia cômica, nenhum dos títulos da sua filmografia foram tão assumidamente parte do gênero. Por isso, para Jason Segel, protagonista, criador e produtor-executivo de Shrinking, essa foi a provável razão para que o veterano tenha topado estrelar a série.
“É interessante, porque reconheci no Harrison Ford algo que todos nós temos. Se você é visto de determinada maneira e até celebrado por certas características, tem uma pequena parte de você que pensa ‘é, mas eles não sabem disso aqui sobre mim’. Então, você quer realmente mostrá-lo. Acho que o Harrison Ford sabia que era engraçado e não tinha tido chance de mostrar”, opinou, em entrevista ao Omelete.
Essa teoria pode até soar um pouco estranha — como assim o Harrison Ford também sente que precisa se provar? —, mas Segel ouviu isso dele no set, na primeira vez que improvisaram juntos. “Ele conseguiu umas risadas inesperadas de trás das câmeras e, quando gritaram ‘corta!’, ele veio até mim e disse bem baixinho ‘sabia que eu era engraçado’”, riu, lembrando a cena.
De fato, Ford é capaz de arrancar gargalhadas como o Dr. Phil Rhodes, o chefe e uma espécie de figura paterna para o personagem principal, o terapeuta recém-enviuvado Jimmy (Segel). Aconselhando — leia-se reprovando — o pupilo enquanto ele se aventura com seu método pouco profissional de atender seus pacientes, isto é, ser brutalmente honesto, o ator veterano põe para jogo seu humor seco e seu timing cômico certeiro. E, embora Ford tenha sido a primeira escolha da equipe de Shrinking, dizer que eles esperavam seu "sim" é um exagero.
“Não, não esperávamos que conseguiríamos ele”, disse Brett Goldstein, criador, roteirista e produtor-executivo da comédia, também muito conhecido por interpretar Roy Kent em Ted Lasso. “A gente mandou o roteiro para o agente dele como quem faz um desejo, pensando ‘esse é o fim, nunca vamos ouvir dele’. E, então, ele gostou do roteiro e a gente ficou ‘tá, isso é um engano. Qual é a pegadinha?’. E aí ele fez a série”, contou, ainda visivelmente incrédulo que Ford estrela uma de suas obras.
Terceiro e último membro do trio de criadores de Shrinking e responsável por séries como Ted Lasso e Scrubs, Bill Lawrence compartilha da mesma surpresa, mas a experiência o ensinou que vale a pena pelo menos tentar. “Quando eu era mais novo, tinha tanta vergonha de perguntar algo para as pessoas e elas dizerem ‘não’. Sabe, fosse chamar alguém para sair, pedir um favor ou um emprego. Conforme eu envelheci, realmente cheguei no ponto em que vou olhar para a cara de qualquer um e dizer ‘ei, quer fazer isso aqui?’. Se eles disserem ‘não’, respondo ‘sua perda’”, riu, antes de admitir: “quer dizer, eu morro por dentro, mas não me importo mais”.
Bem, a resposta que ouviu de Ford claramente não foi “não”. Na realidade, foi uma pergunta: “quem é Jason Segel?”. Como explicar isso? “Ele assistiu a um filme chamado O Fim da Turnê, que fiz com [o diretor] James Ponsoldt, e ouvi que ele ficou feliz com nosso trabalho dramático: ‘ah, ele sabe atuar’. E, depois, Ressaca de Amor…”, afirmou Segel, antes de ser interrompido por Lawrence: “e a resposta dele foi ‘esse garoto tem um belo pênis’. Harrison Ford mandou essa mensagem, acredito que está emoldurada na sua parede” — uma piada em referência ao nu frontal que Segel faz na comédia, e uma prova da intimidade que todos passaram a ter depois de concluída a produção da primeira temporada.
HARRISON, O COLEGA DE TRABALHO
Passado o obstáculo inicial, Harrison Ford se torna só mais um colega de trabalho, certo? Sim e não, como explicou, entre risos, o roteirista e produtor-executivo Neil Goldman, que descreveu a experiência como “um sonho realizado”. “A gente deu toques nele, mas, como você pode imaginar, todo mundo — de cima até embaixo — ficou um pouco intimidado. Quer dizer, não necessariamente intimidado, mas espantado e nervoso. Mas ele não poderia ter sido mais receptivo e colaborativo. Diria que, para passar orientações, eu demorava uns 30 segundos para superar a surrealidade de dar orientações para o Harrison”.
Essa sensação realmente não foi exclusiva de Goldman. “Minha esposa diz que às vezes ela está em cena com ele e, se não tomar cuidado, o cérebro diz ‘eita, é o Harrison Ford!’”, contou Lawrence, que é casado com a atriz Christa Miller, a Liz da série. Ela mesma admitiu que inicialmente esse foi um desafio. Afinal, sua personagem não compartilha da mesma admiração que Jimmy tem pelo chefe — aliás, pelo contrário: ela não tem problema algum em bater de frente com ele.
“[Com o tempo, trabalhar com Ford] ficou supertranquilo, mas a primeira vez que contracenei com ele, ensaiei tanto que na hora que cheguei parecia que eu estava morta por dentro. Não sabia o que fazer!”, lembrou. “Meu marido estava em Miami, trabalhando em outra série, e eu disse para ele ‘você precisa entrar no Zoom e me encorajar’. E ele disse: ‘não é nada. Repreenda ele como você me repreende, quem se importa?’ E aí deu tudo certo”.
Se ela se sentiu assim, imagine a atriz Jessica Williams. Nem mesmo sua experiência mais extensa com comédias fez com que ela se sentisse confortável em dar pitacos na performance de Ford. “Isso é engraçado. Absolutamente não, jamais. Nunca na minha vida. Nem estou em posição para isso”, riu ela, que interpreta a também terapeuta Gaby. Na realidade, contracenar com ele foi, por si só, uma aula para ela. “Aprendi assistindo, observando e ouvindo suas histórias. Foi muito legal ver como ele trabalha, porque ele realmente se importa. E ele tem um ótimo senso de humor. É realmente muito bom ver um dos maiores atores do mundo ser profissional e ficar para a gravação de tomadas fechadas só na minha personagem, e fazendo piadas”.
Impressão semelhante teve a novata Lukita Maxwell, a atriz mais nova do elenco que interpreta a filha de Jimmy, Alice. “Ele me deu espaço para brincar com as cenas e foi realmente gentil com seu tempo antes, durante e depois da gravação. A cena terminava e a gente continuava improvisando por alguns minutos, sentindo a magia do que quer que estivesse acontecendo ali”, destacou. “Ele tem um humor tão seco e brusco, pega todo mundo desprevenido. É realmente divertido e mantém a energia lá em cima no set”.
Você pode presenciar as pílulas cômicas de Harrison Ford e do restante do elenco de Shrinking todas as sextas, na Apple TV+.
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