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Crítica

Homeland - 3ª Temporada | Crítica

Antes de se reerguer com soberania é preciso chegar ao fundo do poço

06.01.2014, às 14H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H39

O episódio inicial dessa terceira temporada de Homeland chama-se "Tin Man is Down" e todo mundo que acompanha os dramas atuais sabe que incorporar uma narrativa correlacionada ao título (por mais abstrato que ele seja) faz parte do jogo. Esse título aparecia como uma tecnicalidade no episódio, mas poderia facilmente ser uma espécie de metáfora para o que essa premiere estava pretendendo: a condução de uma jornada de libertação de uma protagonista que, sozinha, não conseguiria "voltar pra casa". A terceira temporada de Homeland começou cheia de rupturas, pareceu mais ousada que em toda sua trajetória, mas caiu na tentação da emoção vendida.

Com os nomes de Howard Gordon e Alex Gansa envolvidos, sempre há o que se temer. O maior sucesso da carreira deles, a histérica 24 Horas, inaugurou uma era de ganchos obrigatórios - ou seja, episódios que sempre entregassem reviravoltas insanas semana após semana. Uma ideia ótima e desbravadora, mas condenada ao desgaste. O mundo de Jack Bauer estava sempre no limite: em uma temporada, 24 reviravoltas eram necessárias e, em pelo menos metade delas, extremismos como mortes, invasões, explosões, eram habituais. Três temporadas depois não havia mais o que fazer que já não tivesse sido feito, não havia mais o que preservar sem ser chamado de covarde e aquela ideia tão genial virou refém de si mesma.

Homeland conseguiu um respeito crítico jamais alcançado por 24 Horas por uma simples razão: incorporou à sua genética nervosa um pouco de minimalismo. Estamos na era dos dramas sutis, silenciosos, apoiados também em trabalho de ator, essencialmente. Gordon e Gansa jamais tiveram a intenção de abandonar seu estilo "cada final é uma surpresa", mas aprenderam a revestir seu produto de elegância, tendo a sorte também de ter escalado Claire Danes como sua protagonista. Porém, elegante ou não, o trabalho dos dois autores sempre foi apoiado na surpresa e no choque. E no anseio de impressionar, vão longe no flerte com os limites, jogando suas criações numa baita encruzilhada.

Os falsos mágicos e a falsa mágica

Do mesmo jeito que Dorothy se vê sozinha numa terra estranha, precisando de ajuda para encontrar o caminho dos tijolos amarelos, Carrie (Danes) também começa esse ano jogada às traças. O caminho deixado pelo segundo ano não tinha sido muito promissor, com ela e Brody (Damian Lewis) afirmando um amor perigoso para o futuro da série e com ele amaldiçoado pela culpa no novo e devastador ataque à CIA (uma das especialidades dos criadores da série). Assim, a Oz de Carrie era a inocência de Brody e, na estreia do ano três, todos os esforços dela estavam em encontrar aliados e formas de começar sua caminhada nessa direção.

Homeland 3a temporada critica 01

Inteligentemente, a missão da protagonista é desacreditada de cara. Isso não deixa de ser interessante, já que a série sempre foi sobre ambiguidades. A despeito de suas patentes ou reputações, os personagens não são símbolos de confiança. Carrie tem sempre sua doença depondo contra ela, Brody nunca está de lado nenhum de modo plenamente fiel, Saul (Mandy Patinkin) nunca tem o poder... O papel deles nessa trama é o de sempre nos fazer desconfiar e esperar que eles sejam capazes de qualquer coisa.

Por isso, quando os primeiros episódios começaram a insinuar que Carrie seria desprezada pelo próprio país, considerei essa uma reviravolta justa. Ao menos era uma abordagem nova, que impediria o programa de continuar correndo em círculos. As extremidades pra onde os personagens tinham sido jogados não permitiria mais o mesmo jogo de espião e espionado. Adiar o destino de Brody e mostrar o inferno instaurado na vida de Carrie. A desmoralização da personagem era realmente ousada e se categorizou desde o primeiro episódio, quando as reações dela, sozinha em casa, vendo as declarações de Saul, deixavam claro que aquele era o único e irremediável caminho da dramaturgia.

Mais empolgado ainda fiquei quando o processo de recrutamento de Carrie começou. Claro que jamais pensei que ela fosse trair efetivamente o pais, mas um embarque nessa possibilidade poderia abrir ótimos campos, com ela fazendo um jogo individual, usando o inimigo para encontrar e inocentar Brody. Episódio após episódio dessa primeira parte da temporada, a fundamentação dessas bases foi se fortalecendo, com os personagens motivados por isso. Havia uma quantidade tão grande de confirmações desses planos, que qualquer embuste parecia completamente impossível. E quando estávamos seguros nessa direção... Boom!

A revelação de que a derrocada de Carrie era um plano não caiu bem à série. Se muitas reservas já vinham nos afligindo desde a metade do ano dois, com essa "surpresa", o estrago foi devastador. Não entendam mal, as surpresas num roteiro são muito bem-vindas, mas em casos como esse, em que fomos enganados por tanto tempo, a revelação precisa resistir a uma conferência, e não foi isso que aconteceu. A reação de Carrie enquanto via o depoimento de Saul, lá no episódio de estreia, era de absoluta indignação e não importa o quanto os criadores insistam em dizer que "planejar e ver acontecer são coisas diferentes", no final das contas, eles fizeram-na reagir daquele jeito para nos fazer acreditar numa mentira que não era contada só entre eles, mas para o público, do modo mais cretino e oportunista possível. A revelação foi uma bomba que ficou devendo uma série de explicações básicas e que jogou a série numa triste rede de descredibilidade.

[cuidado, possíveis spoilers abaixo]

Queima de Arquivo

A trama da gravidez de Carrie era outro problema notável. O roteiro parecia confuso, querendo manter a sanidade da protagonista sempre em vigência, mas usando de bobagens que não contribuiam pra isso. Bipolarismo não é o mesmo que burrice e demorei muito pra perdoar aquele absurdo dos testes que ela fazia repetidamente e guardava, o que só deixou a coisa mais ridícula. O advento do bebê, em si, já era preocupante, visto que a luta de Carrie não deveria ser por um homem e sim pelo próprio pais. Essa era a essência, a fundamentação de Homeland. Tudo sempre foi uma questão de pátria e ver as atitudes da personagem se focando só no "amor", muitas vezes colocando missões em risco, não era justo com ela. Carrie sempre foi instável, mas sua inteligência era capaz de superar isso.

Homeland 3a temporada critica 02

No meio do fandom da série existe uma dificuldade muito grande de aceitar o erro de algo que já foi estabelecido pelos formadores de opinião como "genial". Com relação a Homeland, entretanto, não é necessário brigar por defesas, já que as decisões que cercam o episódio final são o mesmo que dizer: "sim, erramos, vamos reparar isso". E então todo o último terço da temporada foi focado em nos dar uma sensação de fechamento, de caminho sem volta... Continuar com missões de espionagem focados no trio Carrie/Brody/Saul seria o mesmo que correr atrás do próprio rabo, infinitamente. Em algum momento, Carrie teria que parar de querer ferrar tudo "por amor", Brody precisaria tomar um partido definitivo e Saul começar a ser respeito pela CIA.

Sendo assim, os criadores decidiram colocar Brody numa encruzilhada definitiva, tornando a exposição dele como traidor dos EUA num modo totalmente irreversível. Visto numa perspectiva da metade da temporada em diante, o plano todo de Saul para se infiltrar no Irã acabou se revelando muito interessante e até as partes que deram errado nos levaram para caminhos melhores. Porém, para chegar a um quarto com confiança, Homeland precisava matar seus equívocos, sacrificar seus confortos. Pra nossa sorte, foi exatamente o que eles fizeram.

A sequência final entre Brody e Carrie já é uma das coisas mais impressionantes que já vi na televisão. Pouco a pouco, a série foi aparando suas arestas, corrigindo os percursos e, principalmente, reconhecendo seus erros.  A maior prova disso está em Carrie, que apareceu no seu período pós-luto como uma mulher consciente de que perdeu-se de si mesma, percebendo a fragilidade de sua ligação com o homem que pensou amar mais que tudo, elegendo o fruto dessa ligação como um "corpo estranho" do qual ela precisa se livrar. Aquela era a Carrie que sempre quisemos ver, incapaz de se comprometer com nada além do trabalho que a define. Eles quiseram expurgar-na de tudo, deixar o caminho livre para um futuro que nos soa praticamente como uma nova estreia.

Ficou pelo caminho uma estrela de mentira, para condecorar um heroi meia-tigela. A quarta temporada vai começar totalmente do zero, reconhecendo, enfim, que mais importante que preservar personagens é preservar a dignidade.

Nota do Crítico
Bom
Homeland
Encerrada (2011-2020)
Homeland
Encerrada (2011-2020)

Criado por: Alex Gansa e Howard Gordon

Duração: 8 temporadas

Onde assistir:
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