No primeiro episódio de Mare of Easttown, a série da HBO parece nos introduzir ao pesadelo de nossa protagonista, Mare, a detetive de uma pequena cidade na Pensilvânia. Assombrada por um caso não-resolvido de uma garota desaparecida há um ano, em apenas um dia a personagem é acusada de negligência na televisão, torce o tornozelo, e vê sua família inteira indo celebrar o noivado de seu ex-marido enquanto ninguém vai vê-la receber uma homenagem. Com um cenário frio, distante e empobrecido, a minissérie parece declarar de vez um antagonismo às recentes produções protagonizadas por estrelas de Hollywood na HBO. Não espere ter que lidar com os problemas da classe alta em Easttown.
Em seus primeiros dois episódios, a produção nos apresenta o cenário ingrato que circunda a protagonista, e a dificuldade de exercer uma profissão de autoridade em uma cidade onde todos se conhecem e se relacionam. Mare é famosa por uma cesta de basquete que rendeu à Easttown o troféu de um campeonato na cidade há 25 anos, e desde então não tem grandes feitos no currículo. Sua fama se torna seu fantasma, algo que justifica sua casca-dura: “Fazer algo incrível é superestimado, porque daí as pessoas esperam isso de você o tempo inteiro”, resume a protagonista de modo perfeito.
Todo esse drama não teria consistência ou profundidade se não estivesse refletido no olhar de Mare, vivida por Kate Winslet, o grande triunfo da produção. As habilidades de Winslet não são novidade, mas é um deleite observar sua arte ao interpretar uma pessoa absolutamente comum. Mare não é o tipo melancólico profundo, ou uma detetive falha e filosófica nos moldes de True Detective. Mare é ordinária e humana de um jeito raro de se ver na TV. Sua realidade é tanta, que até o fim do segundo episódio é difícil determinar se o caso não-resolvido do passado não se deve à sua carência de habilidades investigativas.
Com o caso antigo reaberto e um novo assassinato na cidade, os olhares de Easttown se voltam novamente à Mare, e nossa protagonista se vê na posição desconfortável de investigar seus conhecidos. Para isso, um detetive de outra cidade chega para acompanhar o caso e a química entre os dois se desenvolve de modo intrigante. Em um papel um tanto inusitado, cabe à Evan Peters viver o parceiro de Winslet, e a improbabilidade da dupla é outra carta na manga da série.
Enquanto a trama de Mare of Easttown é relativamente simples, a gama de personagens que se abre é um terreno proveitoso para uma novela de primeira, até porque a relação entre os moradores da cidade vai se revelando cada vez mais problemática. Frank Sheehan, ex-marido de Mare, é um amigável enigma, e a família de Erin, vítima do novo assassinato, também promete revelações chocantes. Chega a ser admirável a capacidade da dupla Craig Zobel e Brad Ingelsby - diretor e roteirista - de entregar reviravoltas dignas de novela com tanta classe.
Mas estamos no começo de uma jornada de sete episódios e tudo pode mudar, afinal uma minissérie de investigação criminal tem muitas alternativas que podem ser seguidas. Mas independentemente de como caminhar daqui pra frente, a minissérie da HBO já merece muito crédito por saber aproveitar Winslet como poucos já fizeram, e por abrir um leque intrigante e promissor de suspeitos na cidade de Easttown.