BBB 23: Na edição da representatividade, venceu Bridget Jones

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BBB 23: Na edição da representatividade, venceu Bridget Jones

O Big Brother Brasil 23 passeou entre muitos extremos, mas a posição da audiência preferiu salvar a tediosa heroína romântica

Omelete
9 min de leitura
26.04.2023, às 09H16.
Atualizada em 26.04.2023, ÀS 10H33

Acredito que a primeira coisa a ser feita antes de dizer qualquer outra coisa sobre a edição 23 do Big Brother Brasil é derrubar o principal argumento de grande parte dos defensores da vitória de Amanda: o de que não se trata de uma questão étnica. Se a sua cabeça está enfiada na areia a ponto de achar que não somos conduzidos em tudo na vida por julgamentos étnicos, sexuais ou sociais, pule para o próximo texto. Absolutamente TUDO que o ser humano produz em qualquer esfera, reflete a forma como encaramos etnia, orientação e posição sócio-política. Intrinsecamente.

Vamos fazer uma retrospectiva (essa é sempre a melhor maneira de entender como funcionam as preferências do público regular de um reality show). Bambam ganhou o BBB 1 depois de ter sido excluído pela casa por conta do relacionamento com Xaiane. O relacionamento era um problema porque era físico demais; e Xaiane incomodava as outras mulheres por ser sensual demais. Bambam virou o “pobre-coitado” rejeitado pelos colegas e no seu jeito “desengonçado e inocente”, faturou a vitória.  

No BBB 2 quem dominou a narrativa foi Manuela, que mesmo se comportando bem no seu relacionamento com Thyrso, era constantemente acusada de ser desleal. Embora tenha protagonizado o programa, perdeu o milhão para o cowboy Rodrigo, que nunca fez nada além de estar ali, mas era – na cabeça da audiência – quem merecia mais. Manuela era uma Capitu, uma Hester, uma Geni... Era melhor dar o prêmio para o “desengonçado e inocente” homem do interior. 

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Depois disso, no BBB 3, foi a vez de Dhomini trair a noiva em rede nacional, mas ser perdoado porque também era “desengonçado e inocente”. Na edição 4 Boninho deu duas vagas para quem ganhasse um sorteio e o maniqueísmo da audiência ganhou a dianteira: ainda que Cida só tivesse dormido a edição inteira, ela merecia porque era pobre. No BBB 5, Jean escapou do jugo de sua cor e de sua orientação sexual, passando pelo filtro do “desengonçado e inocente” que era perseguido pelos rivais. Teve sorte de não ter nenhum concorrente correndo por fora - que fosse branco e hetero - com as mesmas características. Mas, não se enganem; Jean era o homossexual permitido nos lares das pessoas: sério, intelectual, discreto, sem afetações. 

No BBB 6 Mara quase perdeu seu lugar para o “inocente e desengonçado” Rafael, mas o público ainda preferiu se sentir caridoso e entregar o prêmio para quem tivesse entrado pelo sorteio. Alemão, no BBB 7 e Max, no BBB 9, tinham em comum a escuderia feminina. Íris era a “desengonçada e inocente” que jogou o prêmio no colo de Alemão; e Francine era a “desengonçada e inocente” que jogou o prêmio no colo de Max. O público não chegou nem perto de considerar uma das duas (e também Sabrina, lá no 3) como possíveis vencedoras. No meio disso, no BBB 8, Rafinha ganhou de Gyselle, que era considerada manipuladora, sonsa, metida, dissimulada... e ele era, como vocês sabem, “desengonçado e inocente”. 

Dourado, do BBB 10, foi o primeiro vencedor “contra a militância” (e isso já diz tudo). Maria, do BBB 11, era uma mulher que tinha todas as características para ser considerada uma messalina desalmada. Mas, que tinha a seu favor o amor do “príncipe encantado”; loiro, olhos azuis, médico, gentil, educado... E além de tudo, Maria era bem “desengonçada” e do seu jeito errático, também era bastante “inocente” (essa também foi a lógica que premiou Fernanda Keulla, do BBB 13). Outros dois cowboys vieram no BBB 12 e BBB 15. No BBB 14, Vanessa furou a mesma bolha que Jean; sem rivais, mas ganhando dinheiro para seus projetos de defesa animal.  

E então, o Big Brother Brasil fez uma ruptura e parecia que tinha crescido. Ana Paula Renault era uma favorita fora da curva, que foi expulsa. Munik, que não era uma participante convencional tampouco, ficou com o prêmio. Emily, que veio em seguida, foi a primeira vilã vencedora (e os pormenores que fizeram essa vitória esbarram única e exclusivamente na vontade do público de proteger uma menina branca com cara de princesa). A vitória de Gleici, no BBB 18, soava como a maior de todas as vitórias. 

É certo que tivemos que aturar o retrocesso chamado Paula, no BBB 19... era outra “desengonçada e inocente”. E fomos tolos de achar que porque Thelma e Juliette vieram depois, estaríamos livres dos modos horríveis com os quais julgamos competidores através dos anos. Arthur Aguiar, no BBB 22, preparava o terreno para o que aconteceu na edição 23: a reunião absoluta de toda a falta de discernimento – organizada ou não – que dominou a narrativa do programa da repescagem até a final. Amanda não venceu por merecimento... e é muito fácil entender por que. 

No fundo do mar

O BBB 23 é dividido em Pré-Repescagem e Pós-Repescagem. Provavelmente, pela primeira vez na história dos realities, um evento tapa-buraco criado no desespero para lidar com duas expulsões, mudou definitivamente os rumos de um jogo. Até antes da repescagem, o BBB caminhava para uma direção completamente diferente. O quarto deserto havia perdido dois membros por assédio; Domitila, Sarah, Black e Ricardo cresciam na preferência do público cada dia mais; e Bruna parecia condenada assim que pisasse no paredão. 

Mesmo assim, os sinais de que os ventos poderiam mudar continuavam por ali. O público condenava Tina por ser “agressiva”, mas perdoava Bruna, que era quatro vezes mais agressiva que ela. Lá dentro, a dinâmica se repetia. Black era acusado de “crescer para cima de mulher” sem nunca ter dado um grito. Bruna berrava o tempo todo com as pessoas e só era “forte”. Participantes eram acusados de falsa militância, mas Bruna chamava Marvila de “urublue” na frente das amigas – inclusive Aline – e ninguém falava nada.

Aqui fora a audiência se concentrava em buscar loucamente um vencedor para chamar de seu. Até antes da repescagem o jogo não estava ganho por ninguém. A tentativa das torcidas para fazer Guskey acontecer era árdua, mas tinha uma Key no meio do caminho. E vocês sabem o que é o Twitter: uma bifurcação em que uma estrada leva até declarações de consciência política e a outra estrada leva até todos que não a tem e ficam esperando uma oportunidade de absolvição. Parte da nossa sociedade anseia pelo canal por onde possa passar o tacanhismo da “antimilitância”, sem nem se dar conta de que se não fosse por ela – a militância -  eles nem poderiam estar livres para discorrer a própria burrice. 

Então, quando Larissa voltou na repescagem, ela trouxe consigo esse habeas corpus que a plateia "anti-militante" precisava para fazer o que queria desde o começo: recolocar o quarto Fundo do Mar no lugar de onde ele não deveria ter saído: o literal fundo do mar. Larissa – que ficou apenas DOIS dias no mundo exterior e foi brifada com o que lhe convinha – transformou a narrativa que queria na narrativa que esse público precisava. Ela sentou-se com as aliadas e as convenceu de que Domitila era hipócrita, Fred era hipócrita, Ricardo era arrogante e os outros eram plantas. 

Aqui fora, para essa parte da audiência que adora desmascarar militantes, aquilo era como música para os ouvidos. Domitila se desculpou, mas as desculpas de Sapato e Guimê eram mais legítimas (do contrário, por que elas não estariam dançando em homenagem a eles?). Fred Nicácio voltou mais equilibrado, mas isso era dissimulação e não amadurecimento. Quem amadureceu mesmo foi Amanda, Bruna... Sarah cresceu, se posicionou, sem nunca gritar, com todo intelecto e eloquência que Deus lhe deu, mas isso era ser arrogante, pedante... A cada sinalização de que Black e Ricardo estavam sendo covardemente rotulados com machismo, a anti-militância vinha dizer que o racismo estava sendo usado como escudo. É aquela velha história... quando os brancos dizem que é racismo, é racismo mesmo. Quando os pretos dizem que é racismo, aí é outro “ismo” que conta: o oportunismo. 

Constantemente, a toxicidade das relações entre os participantes era contada pela edição com trilha emocionada, sendo essa, também, responsável pela perseguição na narrativa. As quatro unidas do quarto deserto viraram símbolo de superação; enquanto corriam por fora gritando e humilhando os pretos do outro quarto, SABENDO que eles não tinham lugar de privilégio para reagir. A presença de Aline no meio disso deixava tudo ainda mais amargo. Por muitas vezes ela chegou perto de entender a posição em que estava se colocando, mas foi sugada de volta pela sensação de pertencimento em meio “às garotas mais populares da escola”. O público não corrigiu parte do curso dando a ela o segundo lugar, justamente porque o segundo lugar teve apenas dois por cento a mais que o terceiro. Um segundo lugar que provou que Bruna não tinha call centers para vencer... e que nos entregou a realidade amarga de que toda vez que ela ficou, ficou porque a torcida da Amanda queria mesmo que ela ficasse. 

O incrível VT dos participantes pretos do BBB 23 disse sozinho o que todos precisavam dizer. Naquele VT, eram as vozes de Fred, Domitila e Sarah, as vozes que mais apareciam. E nenhum deles -- jogadores, fortes, inteligentes e carismáticos -- estava sentado naquele sofá dentro da casa. Nenhum deles foi protegido quando chegou a hora, porque até hoje, enfim, são os “desengonçados e inocentes” brancos, heróis e heroínas de comédias românticas, que angariam a blindagem da empatia. Não foi porque ela era engraçada, porque dançava mal, porque gostou de um cara que não gostou dela... foi porque ela tinha condições de ser vista por essa ótica, ela combinava com essas características redentoras; foi porque ela podia ser vista com os olhos gentis que Sarah – a melhor pessoa que pisou na casa nessa edição – nunca poderia ser. 

Amanda não venceu porque merecia. Ela venceu porque podia. 

Está definido...

... que Dani e Paulo entraram claramente incomodados e tentando encontrar maneiras veladas de demonstrar o descontentamento. A piada com a Pequena Sereia ser preta e o trecho da letra que disse “olha eu aqui sem te servir”, foram o máximo que puderam fazer para não deixar essa final ser só a celebração do nada. Mas, a dinâmica com Boninho e Tadeu foi muito boa. Eles estavam realmente muito felizes. 

A final, contudo, foi morna, quase fria.  

Está a definir...

... o que Boninho quis dizer com uma terceira categoria de participantes no ano que vem. Bom mesmo seria ver uma edição sem tantos patrocinadores e com menos aniquilação das próprias regras. Por mais que tenhamos tido um resultado horrendo, o Big Brother segue sendo um programa que leva para as vidas das pessoas uma série de pontos de reflexão interessantíssimos, além de diversão, assunto por meses e muita polarização. Ele é parte confortável da nossa rotina e seguiremos amando odiá-lo e odiando que ainda o amemos tanto. 

Ano que vem espero por vocês. E que seja melhor. 

Sobre a coluna Ovo Mexido 

Todo mês, a coluna fala sobre tudo que diz respeito à televisão – da aberta ao streaming – com novelas, séries e realities; um espaço para “prazeres culpados" sem culpa nenhuma. 

*Henrique Haddefinir é colaborador do Omelete desde 2013, também é roteirista, dramaturgo, escritor e mestrando em teoria e crítica

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