O Inferno da Drag Race

Séries e TV

O Inferno da Drag Race

Entregue à programação da MTV, a Drag Race enfrenta um dos maiores problemas desde sua criação: o tempo

Omelete
7 min de leitura
22.02.2023, às 10H28.

Logo depois que o episódio 4 da Drag Race foi exibido lá no início do ano, a MTV estreou sua nova promessa mercadológica: The Real Friends of WeHo; uma versão “inspirada” na franquia de realities The Real Housewives e que mostra gays ricos e famosos em suas rotinas deslumbradas. Todrick Hall – que já fez parte da bancada da Drag Race – está no elenco. A ideia dos executivos do canal era promover o novo reality fazendo-o absorver a audiência gigantesca da corrida. Contudo, não foi bem isso que aconteceu...

Quando o episódio de WeHo começou, bares que exibiam a Drag Race em todos os EUA desligaram a TV em meio a vaias. Todrick foi para o Instagram argumentar a favor do reality, defender o programa da ira dos frustrados com tantos cortes, que acabavam vilanizando o projeto e usando contra ele os clássicos argumentos de superficialidade. Porém, a grande razão pela qual The Real Friends of WeHo sofreu tanto hate está na organização da MTV, que não tinha espaço para um programa de 60 minutos na grade. Por isso, a Drag Race foi cortada para 40. 

Depois dos episódios 1 e 2 terem sido exibidos em seus tempos originais, o episódio 3 começou a revelar os problemas. As reações mais intensas vieram após a desastrosa exibição do Snatch Game. Talvez nunca tenhamos visto um inferno editorial tão grande como esse, com a essência da Drag Race indo pelo ralo, excluindo partes essenciais das narrativas e evidenciando que quando a temporada 15 foi filmada, RuPaul não imaginava que estaríamos diante de uma limitação como essa. 

Mas, vamos parte por parte. 

Quem acompanha os meus textos da Drag Race sabe que uma das coisas das quais mais reclamo é dos desafios de atuação. Desde que começou, a corrida tem pelo menos uns dois ou três desses. Alguns deles são roteirizados pela produção (geralmente as paródias, que são as piores) e alguns deles são roteirizados pelos próprios grupos (que se tiveram boas comediantes, podem ser salvos). Contudo, em ambos os casos tudo soa sempre negativamente amador, confuso e bem pouco divertido (que seria o principal objetivo desse tipo de desafio). Além disso, eles precisam de tempo, justamente por conta do contingente. 

Talvez o que mais aborreça nesse tipo de desafio sejam os critérios levados em consideração para “avaliar” os desempenhos das meninas. É tudo muito discutível, porque a partir do momento que os papeis são preparados para não serem nivelados em tempo de tela, as oportunidades se destoam, o que, é claro, coloca tudo em termos passíveis de discussão. Sei que vamos nos lembrar que Darienne Lake venceu sendo uma cabeça com uma fala, mas até esse resultado é fruto de um completo devaneio da bancada. Darienne foi bem, mas Dela – por exemplo – teve muito mais tempo de tela, muito mais trabalho e foi tão bem quanto. Delacreme acabava ganhando nessa matemática de exposição. 

Em quase todos os casos, as vitórias vieram de protagonistas desses roteiros horrorosos. Alguns exemplos são Bob na paródia de Empire e Yvie na paródia de Corra!. Quando a produção divide em grupos com um número menor de participantes e dá espaço para todas, a linha que separa as oportunidades de visibilidade ficam bem menores; um bom exemplo disso foi o desafio de paródias do All Stars 2, em que as duplas tinham roteiros com tempos iguais e chances iguais. Já num elenco com 15 pessoas e em um episódio de absurdos 40 minutos, a sensação é de que não há condições de avaliar ninguém. 

Em plenos anos 2020 ter qualquer episódio de reality show com 40 minutos parece uma negligência. A franquia The Real Housewives ainda os tem, mas são temporadas de mais de 20 episódios, o que faz com que a edição possa aproveitar muito bem todas as narrativas. A Drag Race já teve episódios de 40 minutos antes, mas era só esse formato que conhecíamos; o que fez com que a chegada dos episódios de 60 fosse uma vitória e que virasse, imediatamente, um alívio para a edição. Depois de várias temporadas com episódios mais bem editados, fica difícil aturar passarelas corridas e cortes brutos em falas dos jurados. Foi uma decisão ruim, com a qual precisaríamos nos reacostumar a lidar. 

Not in Heaven

Não era preciso pensar nem 2 minutos... É muito evidente que no meio do ano passado, enquanto filmava a temporada, RuPaul não pensou que seus planos de fazer um Snatch Game mais cedo e assim dar mais chances às meninas ia esbarrar num problema muito grande: a falta de tempo. Se já era difícil editar um Snatch com 7 ou 8 meninas num formato de 60 minutos, que dirá fazer isso em um formato de 40 minutos e 15 participantes. O desastre era iminente e inevitável. O Snatch Game da temporada 15 foi uma mutilação com o espírito da corrida. 

Algumas vezes, em episódios mais abarrotados, algumas coisas eram cortadas, como a mensagem em vídeo de Ru ou algumas das conversas na passada que o apresentador sempre dá no ateliê. Mas, isso geralmente acontece para que outra coisa seja melhor ritmada. Com tanta coisa para dar conta em 40 minutos, os grotescos cortes na sala de edição (ordenados pela MTV) resultaram em episódios apressados, retalhados, sem nenhuma chance de estabelecer narrativas. 

Para começar, cortaram todos os passeios de Ru pelo ateliê. TODOS. Muitas vezes as narrativas são montadas nessa passada. Ru faz alguém mudar de personagem no Snatch, lida com alguma possibilidade de desistência ou até mesmo ouve de algum participante frases como: “tem alguma coisa na minha cara?”. A vitória de Bianca, por exemplo, foi mais saborosa após vê-la tremer na base porque Ru era muito fã da Judge Judy. A vitória de Gigi Goode também, após provar que a desconfiança de Ru sobre a robô era precipitada. Passadas no ateliê quando Ru vem acompanhado de vencedores ou perdedores do desafio sempre foram, também, um deleite para a audiência. 

Mas, a cada novo episódio, a coisa ia ficando mais desastrosa. Do episódio 3 ao episódio 8 (exibido semana passada), as deliberações dos jurados foram totalmente cortadas (consequentemente, a icônica fala “bring back my girls” também foi). A participação dos jurados convidados foi reduzida a pó e minichallenges não são mais vistos pelo ateliê há muito tempo. No episódio que trouxe o famoso grupo de senhores que faz sucesso no TikTok, a presença deles não durou nem 15 segundos. A sensação é de que estamos diante de um eterno “previously”, um resumo de uma temporada fantasma, que não valoriza suas competidoras, suas participações, suas narrativas. 

A pressão foi grande, a indignação das meninas maior ainda... Eis que o World of Wonder anunciou que em março, quando a temporada já estiver no episódio 11, os episódios voltam ao formato de uma hora inteira sem comerciais. É melhor que nada, mas não deixa de ser também uma gambiarra que deforma mais ainda o resultado final. A Drag Race - que vinha de uma sucessão de prêmios Emmy que se tornou histórica - dificilmente vai se manter invicta depois de tudo isso. Mesmo RuPaul, que se tornou um dos nomes mais poderosos do mercado, não está livre de ser esmagado por interesses mercadológicos. O caos se estabeleceu nos domínios divinos da corrida... Agora só nos resta torcer para que o inferno da Drag Race tenha chegado ao fim. 

Está definido...

... que mesmo com essa edição completamente corrida, é possível vislumbrar favoritismos. Sasha Colby está nessa posição, provavelmente. Embora seja eternamente cobrada pela pouca maquiagem, Marcia Marcia Marcia também sempre surpreende (e essa semana nos aqueceu no lipsync de “Boys Don’t Cry”, da Anitta). Mistress também é bastante polida, embora sua personalidade seja eventualmente tóxica. Dentro dessa esfera de competência talvez também seja válido colocar Lux e Loosey. Contudo, a pressa dos episódios é tanta que ainda é difícil se envolver com a temporada... Quando os episódios voltarem a ter uma hora, já estaremos muito próximos do fim. Algumas meninas foram negligenciadas esse ano... e isso é muito grave. 

Está a Definir...

... o que será a nossa ansiedade até a efetiva filmagem de RuPaul’s Drag Race Brasil, que segundo informações não oficiais, começariam em 29 de Março na Colômbia, onde outras franquias também serão filmadas. De certa forma a notícia coloca a possibilidade de termos grandes jurados convidados em suspenso (o deslocamento até a Colômbia pode ser problemático). Mas, ainda assim faz tudo parecer mais real. Essa será a bancada de jurados mais esperada do século. Quem vai apresentar? Quem será a nossa Michelle Visage? Quem serão as personalidades imitadas no nosso Snatch Game?

Sobre a coluna Ovo Mexido 

Todo mês, a coluna fala sobre tudo que diz respeito à televisão – da aberta ao streaming – com novelas, séries e realities; um espaço para “prazeres culpados" sem culpa nenhuma. 

*Henrique Haddefinir é colaborador do Omelete desde 2013, também é roteirista, dramaturgo, escritor e mestrando em teoria e crítica

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