Não é mistério algum que Sandman nasceu com um forte reflexo cultural dos anos 1980 e o começo dos anos 1990: o movimento pós-punk e figuras do cenário musical como inspiração para alguns personagens, discussões sociais e políticas dentro do contexto da época e campanhas de prevenção à Aids – tudo, claro, muito bem inserido dentro de uma história embalada por existencialismo e artes abstratas e sombrias.
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A HQ, que teve sua primeira edição lançada em 1987, ganha agora uma adaptação pela Netflix ambientada nos dias atuais. E, apesar desta ter sido a única mudança narrativa de fato confirmada, o anúncio que realmente levantou debate e reações adversas nas redes sociais foi a escolha do elenco e sua diversidade.
Em suas redes, o próprio autor da obra e produtor da série, Neil Gaiman, foi alvo de tweets revoltados com a mudança de gênero e etnia de alguns personagens, que alegavam que o autor estava tentando “lacrar” (no original, “woke”) e manchar o legado de Sandman. O protesto é um tanto incoerente quando analisamos a origem da HQ e constatamos que todas essas representações já existiam na obra desde seu lançamento – como já refletido brilhantemente pelo repórter Nico Garófalo neste artigo.
O fiel braço direito e bibliotecário do Sonhar, Lucien, ganha vida como Lucienne pela atriz Vivienne Acheampong (Convenção das Bruxas). Gwendoline Christie (Game of Thrones) representa Lúcifer em toda sua androginia. Temos Mason Alexander Park (iCarly), pessoa não-binária assim como seu personagem Desejo. Mesmo Jenna Coleman (Doctor Who) foi alvo de reclamações por interpretar Johanna Constantine – que existe na história original como antepassada do icônico exorcista.
Em entrevista ao Omelete, Gaiman questionou a reação negativa do público: “Eu acho muito estranho, sabe? No Sandman que eu criei em 1987 e publiquei em 1988 nós tínhamos sete membros dos Perpétuos: três homens, três mulheres, e havia Desejo, que contém todos os gêneros. Desejo é, absolutamente e de todas as formas, além de um gênero. Então, escalamos uma pessoa não-binária brilhante: Mason Alexander Park. Galera, isso é Sandman. Vocês entenderam o que leram? Eu acho que as pessoas que estão reclamando: um, não leram Sandman, ou dois, não entenderam o que eles leram."
Outra escalação que movimentou o Twitter foi a de Kirby Howell-Baptiste (Cruella) como a doce e gentil Morte. Apesar de a personagem ser representada majoritariamente como uma mulher de pele completamente pálida, ela carrega em si todas as etnias, visto que é a representação de uma ideia, um conceito, como lembra o autor: “O Sandman nº 8 foi o primeiro em que conhecemos a Morte e, em Sandman nº 9 (Contos na Areia) estamos na África muitos anos atrás e todos eles são negros. O que faz você acreditar que esses personagens não são de todas as raças? Nós já havíamos estabelecido isso, o que significa que precisávamos encontrar a melhor pessoa para o papel e na nossa opinião era Kirby.”
A primeira temporada de Sandman já está disponível na Netflix. Embora o streaming ainda não tenha renovado oficialmente a série, o roteirista David S. Goyer revelou que já trabalha na 2ª temporada.
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